Ele disse, ela disse: Siga o líder.

Primeira semana do mês, semana temática no ar! Homenageando a estréia da derradeira temporada de Lost, o desfavor vai passar uma semana falando apenas sobre assuntos relacionados. Não gosta da série? Não se preocupe: Ninguém liga para a sua opinião.

E como Lost trabalha muito com a idéia de grupos conflitantes de acordo com líder que seguem, de mais uma das inúmeras antigas desavenças entre Somir e Sally surgiu o tema ideal para a coluna de hoje. Numa situação desesperadora como a que se passa na ilha, vale mais a pena seguir um líder ou seguir apenas suas próprias decisões?

Tema de hoje: Precisamos de líderes em momentos difíceis?

Só precisa de um líder quem quer um líder. E se conseguirem te fazer acreditar que sozinho você não consegue resolver seus problemas, nasce mais um “humano operário” no mundo.

O que é excelente para quem está mandando, e só. A necessidade do líder de fazer mais pessoas trabalharem em seu próprio benefício é o que motiva tanta bobagem e desinformação enfiadas na cabeça das pessoas. Aquela mesma história de endeusar humildade e trabalho duro. Golpe óbvio para que mais e mais pessoas esqueçam sua individualidade e virem números numa linha de produção.

Correndo o risco de soar feito um comunista (eca), se em um dado momento todos os pobres/explorados do mundo “perceberem” que não existe NADA que os obrigue a servir os ricos/exploradores, toda nossa economia e sociedade desabam de uma só pancada.

Você gosta de ser mandado? Adivinha só qual a opinião do resto das pessoas sobre este mesmo tema… Um cérebro tão avançado como o humano OBVIAMENTE não é planejado para seguir ordens ilógicas e obrigações repetitivas. É absolutamente natural ter uma certa repulsão às cadeias de comando e a limitação de suas opções por outras pessoas.

Mas “obedecer é uma coisa boa”, não? Sem essa mentira deslavada, a situação de desabamento da sociedade descrita anteriormente seria apenas questão de tempo. Não pretendo fingir que me importo muito com o destino das pessoas que vão passar suas vidas obedecendo, afinal, a sociedade é “meio” que necessária para que eu continue vivendo minimamente bem.

E vamos começar agora a definir a diferença entre líderes e liderados… O líder sabe que tomar decisões não é um luxo, é uma obrigação. O líder tomaria suas decisões sem esperar ninguém de qualquer forma. O líder não acredita nessa bobagem de “obedecer é uma coisa boa”.

Os liderados estão tão cegos na esperança que sua inércia contemplativa vá rendê-los um tapinha nas costas, atenção, reconhecimento falso e outras necessidades de gente carente que nem percebem que não existe nenhuma força invisível as proibindo de assumir a responsabilidade sobre suas próprias vidas.

E a figura do líder é muito romantizada. Uma pessoa que toma decisões difíceis e arriscadas quase sempre está enfiando uma tremenda de uma bica e torcendo para a bola entrar no gol. Se você acha o seu cérebro meio lento e ainda acredita que outras pessoas pensam em todas as probabilidades e conseqüências de seus atos, pense de novo. Ninguém tem um supercomputador dentro do crânio, existe um limite físico de quanto uma pessoa pode prever a partir de uma escolha.

Sejamos realistas: Entre aceitar o chute de um estranho (que você não pode ter certeza se está visando o seu bem) e o seu chute (que vai considerar com certeza a sua sobrevivência), qual deles parece o mais lógico de seguir?

Não vou ser intransigente a ponto de negar o valor da experiência e do conhecimento específico numa situação como a da ilha de Lost, por exemplo. Mas isso não quer dizer NADA sobre o bom senso da pessoa que carrega essas informações. Locke sabia várias coisas sobre sobrevivência na selva, mas sua estupidez acabou matando metade do elenco da série.

E ainda por cima, muitos “líderes naturais” nada mais são do que pessoas carismáticas (e não entenda como carismática apenas a pessoa sorridente e feliz, é a capacidade de cativar e convencer outras pessoas), um exemplo de líder carismático é que liderou a Alemanha Nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Hitler uniu um povo sob uma premissa repulsiva e mandou para a morte milhões de soldados com decisões impulsivas e estúpidas do ponto de vista de estratégia militar.

Essa coisa de “líder” está muito ligada com milênios de propaganda e violência contra pessoas mais fracas. A idéia de que precisamos seguir alguém foi enfiada à força no inconsciente coletivo humano para que uma pequena parcela da população pudesse aproveitar luxos e regalias impossíveis de se generalizar. (Não tem filé pra todo mundo…)

Você não precisa de religião para ser feliz, você não precisa de chefe para acumular riquezas, você não precisa de políticos para fazer da sua sociedade um lugar melhor para se viver. Você foi manipulado a acreditar nisso. E toda vez que a coisa aperta de verdade, essa FALSA idéia de que precisamos de alguém para segurar nossa mão e decidir por nós toma conta das mentes de pessoas inseguras e as leva a correr em direção ao precipício sem pensar nas conseqüências disso.

Qualquer cretino sem medo de tomar decisões vira líder de alguém. Inteligência e irresponsabilidade tomam formas muito parecidas quando se observa de fora as decisões tomadas por outra pessoa. Não se pode saber se aquela escolha foi fruto de experiência e raciocínio ou se foi apenas a primeira idéia impulsiva que saltou da mente do tal líder. Não se você não souber diferenciar uma boa idéia de uma má idéia.

Ninguém consegue viver bem sozinho, e eu não estou sugerindo que o certo é se afastar de tudo e de todos para viver exclusivamente da forma que quiser. Mas uma pessoa realmente centrada e segura de si jamais segue um líder de verdade, ela apenas acompanha as decisões até que elas deixem de ser boas. Não precisamos ter medo de olhar para uma idéia estúpida e dizer que a idéia é estúpida.

Não siga líderes. Siga boas idéias.
E se você realmente precisar de mais pessoas para escapar de uma situação, é muito mais simples do que parece assumir a dianteira e fazer um bando de ovelhas te seguirem. Sério, as pessoas são desesperadas por qualquer chance de não se responsabilizar pelo o que fazem.

É melhor quebrar a cara e saber por que deu errado. Aprender é melhor do que obedecer, sempre.

Para dizer que eu sou um capitalista-anarquista-comunista de merda, para reclamar que não gosta de Lost e novamente descobrir que eu não ligo, ou mesmo para dizer que também seguiria a Kate pro meio do mato qualquer dia: somir@desfavor.com

Você está no meio de uma situação crítica. Uma situação que exige reações rápidas, unidade e trabalho de equipe para que você possa SOBREVIVER. Sim, estamos falando de uma situação de constante risco de morte. É apropriado estabelecer um líder e seguir um esquema de grupo liderado por uma pessoa? Mais do que isso: é indispensável. O ser humano é uma bosta sem bom senso e sem noção, principalmente em situações extremas.

Não sou muito fã desse esquema “um líder”, mas em situações extremas onde o individualismo te conduz à morte, essa me parece a melhor solução. Uma pessoa com vocação para liderança une as demais e torna o grupo mais forte. Um líder quebra pequenas revoltas e picuinhas, coloca ordem no galinheiro e ajuda a priorizar o que realmente importa: a sobrevivência.

Em situações como esta não tem tempo para debates, divergências e desentendimentos. É uma merda, mas é fato: você depende do grupo para sobreviver. Eu sei que isso é muito difícil para um egoísta individualista como a Madame aqui de cima, mas a verdade nua e crua é essa: em situações apavorantes com risco de morte, a maior parte das pessoas fica irracional e só faz merda. Pegar o mais forte, mais centrado e mais apto e colocá-lo para conduzir o bando aumenta as chances de sobrevivência.

Eu seguiria o Locke? Jamais. Aquele frouxo “Papai roubou meu rim” não presta nem para síndico de prédio. Mas eu seguiria Sayid (sem camisa, então…). Em uma selva cheia de “outros”, com um Lostzilla e tudo mais, tenho certeza que Sayid tomaria decisões muito mais acertadas que as minhas (algo como cobrir o rosto e começar a gritar quando o perigo se aproxima).

Um bom líder sabe visualizar o que cada pessoa tem de melhor para oferecer e delega tarefas de acordo com a capacidade de cada um. Porque, vocês sabem, bom senso e bom gosto todo mundo acha que tem! Se deixar cada um fazer o que acha que sabe de melhor, periga o grupo morrer. As pessoas, no geral, não sabem avaliar suas qualidades e defeitos! Um líder perspicaz fortalece o grupo delegando tarefas e explorando o melhor de cada integrante.

Um líder permite decisões rápidas. Nada desse bate boca, de fofoquinha, de tráfico de influência de um tentando convencer o outro. Enquanto a nuvem Lostzila negra se aproxima, é preciso decidir rápido se as pessoas vão correr para uma caverna ou subir em uma árvore. Imagina 50 pessoas tentando decidir isso na democracia? NÃO DÁ. Não é a toa que chamam de “lei da selva” a imposição da vontade do mais forte. Na selva, se não for assim, o bando morre. Animais que vivem no mato sob a mira de predadores sempre tem um líder em seu bando.

Além disso, coragem não é um atributo de todos. Em situações de risco que demandem um “boi de piranha”, é fundamental a presença de um líder para tomar a frente da situação e fazer o que tem que ser feito. A menos que o grupo queira perder tempo debatendo quem vai ser o primeiro a entrar naquela caverna sinistrinha.

Democracia é bacana para quem tem tempo e segurança. Mas se torna inviável em situações emergências, na lei da selva. A menos da forma burocrática como a concebemos. A anarquia seria sinônimo de desunião e perda de tempo precioso. Difícil mobilizar um grupo de pessoas sem um líder. Mais difícil ainda fazê-las cooperar uma com as outras por livre e espontânea vontade. Lamento informar, mas o ser humano é uma merda.

“Mas Sally, não é perigoso dar tanto poder a um ser humano? E se ele virar um ditador?”. Ora, no meio da selva, se o líder começar a sacanear, vai acabar voltando o grupo contra ele e vai acabar mal, muito mal. Na barbárie não tem espaço para esse tipo de coisa. Você pode ser destituído “no braço” se cagar no pau. O grupo coloca outro no lugar.

No mínimo a Madame acha que dá para fazer tudo sozinho, que não precisa de mais ninguém. Ou pior ainda: acha que pode manipular os outros para servi-lo. Todo mundo se acha esperto pra caralho, né? Cá entre nós? Quando a chapa esquenta de verdade, os espertos costumam se dar mal. Porque uma coisa é fazer mind games no seu local de trabalho, onde a pior das conseqüências é uma briga ou um esporro e outra coisa é fazer o mesmo onde a conseqüência, se der errado, é a morte.

E cá entre nós II, nossa sociedade não é muito diferente disso. A diferença é que o líder tem poderes aparentemente menos contundentes e as liberdades individuais são, aparentemente, mais respeitadas. Mas na prática, querendo ou não, todos nós de alguma forma seguimos um líder. E se você pensa que pode viver às margens das normas sociais, saia por aí cometendo crimes e me conte o que acontece.

Se você acha que pode tomar as melhores decisões sozinho e que não precisa de um grupo para sobreviver quando se depara com predadores/inimigos mais fortes que você, boa sorte se um dia cair em uma situação estilo “lei da selva”. Quando o obstáculo a ser enfrentado é tem dez vezes o seu tamanho ou dez vezes a sua força, o melhor a fazer é juntar forças com outros que estejam na mesma situação de desigualdade. E para unir forças, é preciso um líder, caso contrário serão um bando de individualistas batendo cabeça.

Para me dizer que você só segue as vozes da sua cabeça, para me dizer que se fosse largado no meio do mato sem ar condicionado, video-game e tv preferia mesmo era morrer e para dizer que a união não faz a força, faz açúcar: sally@desfavor.com