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Eu, desfavor: Tico mia.

| Sally | | 29 comentários em Eu, desfavor: Tico mia.

Namorei com um Cueca que tinha um gato chamado Tico. Não é piada pronta, o nome do gato era Tico mesmo, com a intenção de criar o trocadilho. Cada vez que o gato miava meu ex dizia “Tico mia no _____” (complete a lacuna com o local onde o gato se encontrava) e tinha uma crise de riso da própria piada. Sim, eu só namoro desfavor.

Esse meu ex tinha um carinho muito grande por Tico. Por razões que não vou contar, para preservar a identidade do Cueca, Tico tinha um valor afetivo extra, além do amor normal que um dono costuma sentir pelo seu animal.

Em função desta adoração que ele tinha por Tico, vocês podem imaginar o grau de indisciplina do gato. Era quase tão ruim quanto o Goiaba, o gato do Somir. Tico pintava e bordava e nunca era tomada uma providência, porque “Sally, gato não é cachorro, não adianta dar esporro em gato”. Meu ovo que não adianta!

Enfim, Tico não obedecia nada nem ninguém. Tico era o reizinho soberano. Tico sequer atendia pelo nome – apenas quando estava de bom humor.

Um belo dia, meu ex teve que se ausentar. Ele foi viajar e me pediu para ficar na casa dele cuidando de Tico por uma noite. Eu até cheguei a sugerir que ele deixe Tico em um hotel para animais, mas quase apanhei: “Tá maluca? Você sabe como eles tratam bicho nesses lugares? Nem pensar! Além disso, gatos sentem muito as mudanças de ambiente! Eles sofrem quando são tirados das suas casa! Blá,blá blá…”. Resumo: Lá foi a babaca passar um final de semana com Tico.

Nem preciso dizer que Tico e eu já tínhamos alguns estremecimentos antigos. Eu gostava do Tico, mas nunca dei mole pra vagabundo como meu ex fazia. Comigo não tem dessa de “O gato não quer”. O gato não tem que querer, o gato não trabalha, o gato não paga as contas.

Logo que meu ex saiu, Tico já ficou meio incomodado. Foi para a porta e ficou miando. Nem dei bola, porque chantagem de bicho só funciona com o dono. Comecei a ver um filme na TV. Tico miou por um bom tempo, até que eu berrei “VAMO PARÁ COM ESSA FAVELICE AEEEE?”. Daí Tico se retirou, digno e ofendidíssimo. Porque Tico é 100% finesse.

Mais tarde, fui até a cozinha preparar meu jantar. Tico estava sentado me olhando com cara de desprezo. Fiquei olhando para ele de volta de disse “QUE QUE ÉÉÉÉÉ SEU ZÉ RUELAAAA?”. Tico me olhou com ar superior, virou e saiu. Confesso que eu nunca consegui ter nem 10% da finesse do Tico.

Estou eu cozinhando macarrão e começando a preparar seu molho (de tomate), quando toca meu celular. Lembrei que meu ex tinha combinado de ligar mais ou menos naquele horário. Comecei a procurar meu celular na bolsa. Minhas bolsas são enormes e sempre cheias de coisas, então, eu nunca acho o celular quando ele toca. Com uma das mãos eu colocava o molho de tomate na panela e com outra procurava o celular. À medida que o celular ia tocando, meu desespero aumentava. Foi quando aconteceu.

Não sei bem como merda aconteceu, mas em um momento de total desespero, visualizando o celular no fundo da bolsa, acabei largando tudo que estava fazendo para pegá-lo e derrubando o molho de tomate no Tico (ainda bem que ainda não tinha esquentado…). Gritei “DEEEEESCUUUULPAAA TICOOOOO!” e atendi o telefone.

Sally: “Ooooi Amoooor! Tudo beeeeem!”

Ex: “Qual foi a merda que tu fez, Sally?”

Sally: “Eu não fiz nada, seu grosso!”

Ex: “Para estar falando assim, toda meiga, alguma merda você fez”

Olhei para o Tico. Ele estava todo vermelho. Parecia um absorvente gigante. Nem se mexia, ele estava afrontado. Ele me olhava com o mais puro olhar de desprezo e ódio que já vi.

Sally: Pois saiba que eu não fiz nada, só estou falando assim porque estou com saudade de você…

Ex: Fudeu. Botou fogo na casa! Hahahaha É só por uma noite, Sally!

Sally: Quer parar?

Ex: Tá bom… ta bom… Também estou com saudade. Como está o Tico?

Sally: “O Tico está Ó-TE-MO”

Olhei pro Tico, putíssimo da vida, meio que lambendo um pouco do molho que pingava pela sua cara

Sally: “Estamos nos divertindo muito juntos”

Juro que ouvi o Tico bufar nessa hora.

Depois de uma breve conversa, desliguei o telefone. Olhei para o Tico e ele me olhou com ressentimento. Tava triste a situação. Não tinha jeito, Tico teria que tomar um banho.

Como todo gato mimado, Tico reage muito mal a banho. Nas raras vezes que Tico tomou banho em clínicas veterinárias, teve que ser sedado. Tico tinha sido banido de duas pet shops por comportamento agressivo na hora do banho. É sério, um negão de quase dois metros disse na minha cara que não dava mais banho “nesse gato maluco” a menos que a gente permita que ele seja sedado. O Dono dizia não precisava, que o Tico era “um amor” e que não se importava de tomar banho, que só reagia mal com pessoas sem paciência. Mentira. Era um gato dos infernos.

Me enchi de coragem e resolvi resgatar meus tempos de estagiária em clínica veterinária. Peguei Tico e carreguei para o banheiro. Logo se viu que ele nunca tomava banho, porque num primeiro momento não ofereceu resistência. Comecei a encher a banheira. Peguei o shampoo para gatos a nada, nenhuma reação.

Quando coloquei Tico dentro da banheira, a luta começou. UFC: Brazilian Jiu-Jitsu – Human x Cat. Tico parecia possuído pelo demo. Tentava arranhar, morder e fugir. Eu, tentando lidar com a situação, acabei caindo dentro da banheira com o Tico. Fechei a porta de blindex, berrando “NINGUÉM ENTRA, NINGUÉM SAI”. Tico ficou no outro canto da banheira dardejando-me com olhar. Eu, toda molhada, fiquei no canto opsto, fazendo ameaças a Tico: “TÁ FELIZ? TÁ FELIZ MERMÃO?TU TÁ FELIZ, NÉÉÉ?”.

Diante da solidão e da situação insólita e deprimente na qual eu me encontrava, resolvi abrir meu coração com o Tico: “Entendo o seu lado, mas poxa, eu não fiz de propósito, ta? O banho é uma realidade necessária, então, o que você acha de colaborar comig…”. No que fui me aproximar, Tico de arrepiou todo e fez aquele Fssssssss que gato faz quando está puto.

Fiquei puta também, afinal, ele ta pensando que é quem para comprar briga com alguém tendo apenas 10% do peso do oponente? Peguei ele pelo pescoço e travamos uma dura batalha, a qual ele ganhou, me dando uma unhada em cheio no braço direito (tenho a marca até hoje). Voltei para o meu lado da banheira e fiquei berrando “VOCÊ QUER FAZER ISSO DO JEITO DIFÍCIL? ENTÃO TÁ, VAMOS FAZER DO JEITO DIFÍCIL!”.

Peguei o shampoo e comecei a borrifar de longe nele. Tico se virou tentando escalar a parede e em um rompante sádico, eu mirei um jato de shampoo no seu cuzinho. Tico deu um pulo de uns dois metros e na volta começou a miar feito um desesperado. Aproveitei a distração e, não sei como, consegui segurar Tico de barriga para baixo, pelas 4 patas. Esfreguei o Tico enquanto ria e dizia “Perdeu Preibóóóiii!”

Tico miava de cabeça para baixo. Parecia uma ovelha, todo cheio de espuma. Só os olhos de fora. O problema maior veio na hora de tirar a espuma dele. Eu tinha que abrir uma torneira, mas as minhas duas mãos estavam ocupadas segurando as pernas do Tico. Tentei abrir a torneira com o pé.

Realiza. Eu, de roupa toda molhada, maquiagem toda borrada (Why so serious?), tentando abrir uma torneira com o pé. Podia prestar uma porra dessas? Não, não podia. Abri a torneira e logo depois caí. Voei eu para um lado e Tico para o outro, bem debaixo do jato de água. No que caí, tentei me segurar na porta de blindex e sem querer acabei abrindo a porta. Óbvio que Tico saiu correndo do banheiro, depois de tomar uns jatos dágua na moleira. E como ele estava mansinho na entrada, nem me preocupei em fechar a porta do banheiro, então, a fuga dele foi ainda mais grave.

Saí toda molhada, disposta a primeiro trocar de roupa e depois procurar pelo Tico, quando vi o tamanho da merda. Tico estava passeando pelo parapeito da janela do apartamento. Eu comentei que meu ex morava no 16º andar? Pois é. Congelei.

Lá estava eu, toda molhada, arranhada, enxergando com um olho só (porque no outro tinha caído shampoo de gato e eu mal conseguia abrir de tanto que ardia) e toda dolorida da queda. Parecia um zumbi do Silent Hill. Eu não andava, eu me arrastava toda torta com um dos olhos fechados.

Tico, soberano, passeava delicadamente pela beiradinha do parapeito. Parecia até que fazia isso para me irritar. Quando eu tentava chegar perto, ele dava um passo para trás. Eu não sabia o que fazer. Tinha medo de me aproximar e dele pular ou cair (sim, gato de apartamento se joga, eles são sem noção). Fiquei berrando o nome dele, toda arrebentada e molhada, tal qual Rocky Balboa gritava “ADRIIIIIIAAAAAAN” e nada dele me atender.

Fiz de tudo: abri lata de atum e deixei no chão da sala para ver se ele vinha comer, saí da sala, me desculpei, me fingi de morta… só faltou sapatear para ver se o Tico vinha. Nada. Ele me olhava com cara de deboche e se esgueirava pela pontinha do parapeito. Se algo desse errado, ele ia cair e não tinha a menor chance dele sobreviver. As horas foram passando e nada do que eu tentava dava certo. Comecei a imaginar como daria a notícia da morte do Tico ao meu então namorado e foi me batendo um desespero.

Tocou a campainha. Por um segundo, me bateu um desespero. Achei que meu então namorado tinha voltado. Quando pensei melhor, vi que era impossível, a julgar pela hora em que havíamos nos falado no telefone. Era o Porteiro dele. Abri a porta, naquele estado.

Porteiro: “Ô Dona Sally, o gato da senhora ta na janela, passeando. Assim o gato cai, Dona Sally, porque a senhor…”

O Porteiro me olhou. O Porteiro olhou à sua volta. O que ele viu foi um rastro vermelho de manchas e pegadas no chão, da cozinha em direção ao banheiro, que eu sabia ser molho de tomate, mas ele com certeza pensou que fosse sangue. Olhou a porta aberta do banheiro, com uma banheira cheia de água vermelha. O Porteiro foi ficando branco.

Porteiro: “Dona Sally, a senhora está bem?”

Ajeitei meu cabelo ensopado e embaraçado, endireitei minha roupa molhada e manchada, empinei meu nariz e disse “Eu? Eu estou ótima, porque você está me perguntando isso?” (nada pior do que uma pessoa indigna querendo se fazer de digna – *vergonha retroativa).

Porteiro: “Booom, de qualquer maneira, acho melhor tirar o gato dali”

Sally: “EU NÃO CONSIGO! EU NÃO CONSIIIIIGOOOO”

Porteiro: “Dona Sally, é só chamar…”

Sally: “Isso se ele fosse um gato normal, mas é um EMISSÁRIO DO DEMÔNIO NA TERRA! ELE NÃO VEM!

Porteiro: “Qual é o nome dele?”

Sally: “Tico” *constrangida

Porteiro: “Hahahahahahaha”

Sally: *suspiro

Porteiro: “Ticoooo… psss psss…”

Vocês acreditam que o PUTO do Tico saiu da janela, na maior facilidade, assim que o Porteiro chamou? Desceu, todo pimpão, e ficou se esfregando na perna do porteiro. Fiquei revoltada: “TU É VIADO, MERMÃO? SÓ VEM QUANDO OUTRO MACHO CHAMA?”. O Porteiro riu e foi embora.

Estava exausta. Limpei a casa, me limpei e deixei o Tico para lá.

Na manhã seguinte, dono do Tico voltou. Quando ele foi abraçar o Tico, disse:

Ex: “Sally, o Tico tava perto de você quando você cozinhou ontem?”

Sally: “aheeiiinnmmmpfff” (quando não sei o que responder sempre solto uma onomatopéia indefinida)

Ex: Eu perguntei se Tico tava perto de você quando você cozinhou ontem

Sally: “Nem vi”

Ex: Porque ele ta com cheiro de macarrão

Sally: “ééééééé?”

Ex: É.

Sally: *riso sem graça

Ex: Às vezes o cheiro pode ficar no pêlo, vai ver que ele estava perto

Sally: “Porque você não dá um banho nele então?”

Ex: “Faz isso pra mim? Estou cansado da viagem…”

Sally: “Ele não vai me atacar não?”

Ex: “Claaaro que não, já te disse que o Tico só é agressivo com gente estúpida, grossa e sem paciência”

Sally: “Então tá, vem cá me contar como foi sua viagem enquanto eu dou um banho nele”

Eu finalmente ia provar para ele que o gato era DO MAL.

Enchi a banheira como havia feito no dia anterior. Coloquei Tico na banheira e… NADA. Tava lá o porra quietinho.

Ex: “Não falei que ele é um amor?”

Ensaboei, esfreguei… só faltou dar uma dedada no cu do gato. E nada. Tico quieto, olhando com cara de coitado.

Eu nunca soube se depois daquele banho terrível ele foi finalmente doutrinado ou se era cena na frente do dono, só para me desmoralizar.

Para me dizer que eu sou um monstro porque bati em um gato, para me perguntar onde Tico mia e para dizer que Eu, Desfavor é muito chato e quer Siago Tomir na próxima sexta: sally@desfavor.com


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