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Flertando com o desastre: Castração Química

| Sally | | 33 comentários em Flertando com o desastre: Castração Química

Recentemente a questão foi levantada pelo Presidente da França, Nicolas Sarkozy e agora o assunto voltou à moda novamente com o episódio do médico (está mais para monstro) que estuprou dezenas de pacientes anestesiadas: o que fazer com estupradores?

Já disse isso aqui outras vezes e vou repetir: costumamos ser menos tolerantes com os criminosos que cometem crimes que nós achamos que não cometeríamos. Nosso senso de justiça costuma estar atrelado a nossos valores pessoais. E com base nesses critérios, o estuprador vira um dos criminosos mais rejeitados pela sociedade, afinal, poucos de nós se acham capazes disso. Não que um estupro mereça qualquer justificativa ou atenuante, porque realmente não merece. É um crime horrível que com toda razão causa repulsa social. Só estou querendo deixar claro que damos um tratamento diferenciado em função de valores próprios, sobretudo nós mulheres, que nos identificamos com as vítimas.

Pois bem, dito isto, vou direto ao assunto. Algumas pessoas vem levantado a possibilidade de se punir o estupro com a castração química do estuprador. É uma castração realizada mediante a aplicação de medicamentos (salvo engano, hormônios femininos) que diminuem drasticamente os níveis de testosterona no organismo do homem, tornando-o incapaz de ter uma ereção. Na forma como ela é proposta seria supostamente reversível, ou seja, a impossibilidade de sexo dura o tempo que durar o “tratamento”. Confesso que não tenho conhecimento das consequências a longo prazo – mas também não é intenção discuti-las aqui.

Se fosse algo irreversível como é a castração física, eu nem viria aqui falar sobre o assunto, porque acho uma barbárie (apesar de saber que sempre tem uma meia dúzia de almas exaltadas que querem que prenda, castre e mate, deixo esses radicalismos para o Somir). Portanto, vamos falar da castração apenas no caso dela ser reversível.

No Brasil é expressamente proibida a aplicação de penas corporais, ou seja, punições que afetem a integridade física do condenado. Em tese, né? Porque quem já visitou um presídio ou uma carceragem de delegacia sabe que na prática as coisas podem ser diferentes. Em tese, a castração química não poderia ser utilizada no nosso país. Mas, com um pouco de debate e alguns ajustes, talvez seja até mesmo possível argumentar que não se trata de uma punição corporal. Também pode ser alegado que, entre a violação dos direitos de uma pessoa de não ser estuprada e a violação do direito do estuprador à integridade física, os primeiros devem prevalecer. Tudo muito controverso, mas possível de se argumentar. A questão é: vale a pena? queremos isso?

O grande problema das discussões sobre estupro é que as pessoas se exaltam e a indignação não lhes permite pensar na complexidade do que está sendo debatido. Falando assim, sem aprofundar o tema: “Você acha que deveriam aplicar castração química a estupradores?” a gente tende a dizer que sim, claro, e que ainda tem que bater, prender, matar, etc. Pensamos com presunção de culpa. Por isso, vou reformular a pergunta para que vocês entendam onde eu quero chegar: VOCÊS ACHAM QUE EM UM SISTEMA JUDICIÁRIO COM FALHAS COMO O NOSSO É ADEQUADO IMPOR CASTRAÇÃO QUÍMICA PARA OS CONDENADOS POR CRIME DE ESTUPRO?

Que estuprador deve sofrer castração química eu não tenho dúvidas. Assino embaixo. Mas o que se discute aqui não é isso. O que se discute é se deve ser dada autorização ao Estado para aplicar a castração química aos condenados pelo crime de estupro, que nem sempre são de fato estupradores. Acredite em mim, se me levarem para algumas das delegacias do Rio de Janeiro, até eu confesso crime de estupro.

Durante muito tempo eu pensei de forma equivocada sobre estupradores. Eu presumia que para uma pessoa ser capaz de estuprar alguém, ela deveria necessariamente ser doente mental, ter alguma psicopatia, algum problema de cabeça. Conversando com especialistas, fui advertida de que não é o caso. Existem pessoas que o fazem por opção, que poderiam muito bem controlar seu impulso e ainda assim optam por fazer. Existe a maldade, a maldade pura e deliberada como escolha. Isso me fez pensar que estas pessoas não são passíveis de tratamento psicológico ou psiquiátrico, porque não são doentes.

Se não podem ser tratados, como garantir que retornarão ao convívio social e não repetirão o mesmo crime? E se for o caso de uma pessoa de fato doente, será possível tratá-la para evitar que ela repita o erro? Geralmente não. Os índices de reincidência no crime de estupro são altíssimos: 75% faz novamente.

No caso ocorrido da França, que levou o Presidente Nicolas Sarkozy a defender a castração química, um pedófilo que havia cumprido pena de dezoito anos e assim que colocou o nariz na rua, estuprou um menino de cinco anos de idade. Não adiantou porra nenhuma de nada passar dezoito anos enjaulado. O que fazer com pessoas assim? É tentador recorrer à castração química.

Existe um projeto de lei sobre introdução da castração química no Brasil, mas dificilmente será aprovado, porque da forma como foi escrito é inconstitucional. Eu sei que todos que estão lendo estão pensando favoravelmente à castração química, mas peço que deixem sua indignação de lado por um segundo, se desarmem e procurem ler as próximas linhas com racionalidade.

A lei brasileira sacaneia o homem por demais. E olha que para que EU (que acho que toda sacanagem com homem é pouco) diga uma coisa dessas, a injustiça deve ser enorme. O homem só se fode. Por causa de meia dúzia de babacas todos pagam o preço. Não discuto se isso é necessário ou não, apenas estou dizendo que as leis são extremamente protecionistas com mulheres, que ultimamente não andam tão indefesas.

Vocês sabem o que vem acontecendo com a Lei Maria da Penha, a lei contra a violência doméstica, né? Praticamente TUDO que um homem faz e desagrada uma mulher pode virar violência doméstica. Quem tiver curiosidade de ler, procure no Google a lei 11.340 e leia o artigo 5º para constatar o que o legislador definiu como sendo “âmbito doméstico” (não precisa nem morar junto, ta?) e o pior de todos, o art. 7º, que nos diz o que configura violência doméstica. Os incisos que descrevem o que é violência psicológica e violência moral englobam praticamente tudo, por essa lei, Somir comete violência doméstica contra mim todo santo dia.

Resultado? O que era para impedir que um marido violento dê umas pancadas na esposa porque ela queimou o feijão virou arma de Patricinha mimada para se vingar de namorado que a largou ou de homem que a rejeitou. Mesmo quando não chega a virar um processo, tem sempre aquela mulherzinha barraqueira que vive de blefe com o discurso ameaçador no canto da boca “Olha que eu vou te processar, hein”. E o homem responde ao processo preso, ok? Antes mesmo de ser condenado. O bicho pega.

Eu sou a favor de homem bater em mulher? NUNCA. Mas eu sou a favor da Lei Maria da Penha? Não, obrigada. Entendem o paralelo? Já tive amigos presos sem jamais encostar um dedo na ex-namorada. Eu trabalho com isso, acabo vendo essas injustiças todo santo dia. Entendem meu medo?

Se for liberada a castração química, será mesmo que vai ser usada contra estupradores? Ou será que vai ser usada apenas nos estupradores pretospobresfavelados e contra homens que rejeitaram mulheres histéricas e vingativas? Quem se safa sempre, vai continuar se safando, não importa quão duras sejam as leis. Não é a intensidade da pena que coíbe o crime, é o real temor de ter que cumpri-la.

Quando a gente pensa naquele estuprador padrão, tipo maníaco do parque, fica fácil desejar a castração química. Mas quando a gente pensa no nosso pai, irmão, primo, filho ou amigo que aborreceu uma vadia qualquer que só de raiva resolveu acusá-lo de estupro para vê-lo castrado (e, meus amigos, vocês não tem noção da baixaria que algumas pessoas são capazes de fazer para se vingar), a coisa muda de figura. Alguém aqui põe a mão no fogo que a justiça não erra?

Pensemos em um processo por estupro, contra seu pai, irmão, primo, filho ou amigo. Estupro não precisa de testemunhas, e geralmente não as tem. É a palavra da mulher contra a do homem. Adivinha quem tem presunção de vítima? O estuprador PODE ser condenado SEM EXAME DE CORPO DE DELITO, ok? A mulher diz que foi para casa, porque estava traumatizada, e depois de vinte dias criou coragem e denunciou. Os vestígios já eram. E ainda assim, ele pode ser condenado.

Quantos de vocês, homens, nunca tiveram um LOUCA no caminho capaz de tudo (inclusive de queimar o próprio filme) para ficar com você ou se vingar depois de ter sido rejeitada? Imagina se uma lei desse a essa louca o poder de te castrar, ainda que temporariamente? Imagina ela fingindo choro em uma audiência, comovendo os presentes e dizendo “ele me estuproooooouuuu!” e você sendo condenado a ficar por anos e anos broxa. Estamos falando de vinte ou trinta anos sem uma ereção. Ainda está tão certo da castração química?

Não pensem nos bandidos quando falarem de uma lei criminal. Pensem que pode chegar em todos nós.

Mas Sally, é reversível”. Sim, mas e se você não conseguir provar a sua inocência? Vai gostar de ter passado vinte anos broxa? E se 19 anos depois se comprova que você é inocente, quem te devolve esses anos todos que você passou broxa? Não sou homem, mas acho que se fosse, preferiria ser privado da minha liberdade do que da minha ereção. Opinem.

Mas Sally, você não gostaria que um homem que te estuprou fosse castrado?”. Sim, castrado e morto. Gostaria sim. Mas não é assim que se fazem leis, pensando em revanche. Se fazem pensando no melhor para a sociedade. E nosso sistema penal não tem por objetivo a vingança, como por exemplo nos EUA, onde das famílias das vítimas vão bater palminhas para a execução do assassino. Se fosse comigo é claro que eu ia querer tudo de ruim para a pessoa, mas a pergunta é: eu quero viver em um país onde o Estado pode fazer tudo de ruim a um condenado? Minha raiva pessoal não deve virar lei. Se virar, será um perigo. (afinal, eu sou RITLER, né?)

Por outro lado, eu tenho plena consciência que é foda ficar alimentando vagabundo que estupra a rodo e saber que depois de no máximo trinta anos (provavelmente antes) ele vai sair e fazer tudo novamente. É uma questão delicada. Entendo quem defenda a castração química. Eu sou contra, mas não acho um argumento descabido. Para uma mulher é muito fácil dizer “castra mesmo!”, porque não podemos nos identificar com a figura do agressor, nunca que essa merda vai feder na gente. Talvez os homens me entendam melhor.

Não tem jeito, pena corporal não entra na minha cabeça. Se resolvesse, minha gente, eu até pensava com carinho nessa birra que eu tenho com penas corporais… Mas não resolve, meu povo. Sem querer ser grossa, ainda que se aplique castração química, a pessoa continua tento dedos, língua e boca. Não é só com um pênis que se molesta alguém.

Por favor, opinem. Mas opinem com civilidade.
Para me dizer que é foda mesmo, que só podia ser eu para ficar defendendo estuprador, para me perguntar se eu não gostaria de que a pessoa que me estuprou fosse castrada, torturada e assassinada e para usar qualquer outro argumento de gente pobre de espírito: sally@desfavor.com

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