Desfavor convidado: Consumismo Patológico.
| Desfavor | Desfavor Convidado | 8 comentários em Desfavor convidado: Consumismo Patológico.
Se você tem um desfavor de texto e quer vê-lo postado aqui, basta mandá-lo para desfavor@desfavor.com
Se nós temos coragem de postar nossos textos, imagine só os seus…
CONSUMISMO PATOLÓGICO
Sou carioca, amiga pessoal da Sally e psicóloga. Fiz minha tese de mestrado e estou fazendo a de doutorado com o tema consumismo patológico e fui convidada para falar um pouquinho do assunto por aqui, afinal, consumismo patológico é um grande desfavor. Autorizei a Sally a editar meu texto caso fosse muito técnico, espero que esteja compreensível.
A relação de consumo mudou ao longo das décadas. Inicialmente as pessoas consumiam pelo prazer de ter, de possuir. O prazer da compra estava ligado ao valor que aquele objeto agregava à pessoa e a seu patrimônio. Mulheres se realizavam consumindo produtos de sua realidade: geladeiras e outros eletrodomésticos. Com o passar do tempo, o perfil de consumo da nossa sociedade foi sendo modificado. A mulher entra no mercado de trabalho e seus desejos de consumo sofrem modificações. Ela não cobiça mais a geladeira, cobiça bolsas, sapatos, roupas e jóias. Atualmente eu me arrisco a dizer que em matéria de consumo, o homem se afirma pelo carro e pelos eletrônicos e a mulher se afirma pela bolsa e pelos sapatos.
Acontece que hoje não se consome mais para ter. A nova moda do consumismo é ostentar. Não importa mais o ter e sim que os outros pensem que você tenha. Quando estava escrevendo minha tese de mestrado estourou a moda das lojas que alugam bolsas de marca. Fui investigar. Entrevistei donas e usuárias e o aluguel custa em média R$500,00, isso mesmo: quinhentos reais. Por quinhentos reais é possível comprar várias bolsas lindas, então, porque alguém gasta quinhentos reais para uma bolsa que vai ter que devolver?
Pela etiqueta. Pelo status de ostentar em uma festa ou em uma entrevista de emprego uma bolsa com a marca Prada, Fendi, e similares. A estas mulheres não interessa possuir estas bolsas, interessa que as outras mulheres — porque homem não repara nisso — pensem que elas as possuem. Não podem comprar uma bolsa dessas porque custam valores astronômicos, no entanto, querem que os outros pensem que podem.
O que isso nos conta sobre a sociedade moderna? Essa preocupação excessiva em aparentar o que não é mais uma busca inocente por aceitação. Cruzamos essa linha. Mais parece busca pela admiração e pela inveja alheias. É o novo mundo brega, onde todos querem ser celebridade, todos querem glamour, todos querem seus cinco minutos de fama. Então, para ser o centro das atenções, para ser invejada, eu alugo uma bolsa cara que nunca poderia pagar e desfilo com ela por alguns dias.
As pessoas estão tão insatisfeitas e vazias que precisam recorrer a esse tipo de transação insensata. Porque o olhar do outro sobre nós nos preocupa tanto? Somos o que somos e não o que o outro acha que somos. Mas atualmente as pessoas não tem muita certeza do que são e se buscam no olhar do outro. Quando se tem sua identidade condicionada ao olhar do outro, se faz tudo que for possível para conquistar e seduzir esse outro — não no sentido sexual — e com isso, se cria um efeito bola de neve onde nos vemos obrigadas a fazer uma constante manutenção de uma mentira que não somos, mas que queremos vender que somos. Partindo dessa premissa que só conseguimos nos ver pelos olhos dos outros e de que nosso Eu Social é mais importando do que o real, consegui entender porque tantas mulheres consomem de forma predatória, gastando mais do que ganham, se tornando o que os advogados chamam de superendividados. Culpar a mídia seria a saída mais fácil. Eu não sou mulher de saídas fácies. Sem dúvidas a mídia tem sua parcela de culpa, empurrando produtos cujo preço real e preço de mercado são absurdamente díspares — hoje se paga pela marca e não pela qualidade do produto — e convencendo mentes mais fracas de que precisam daquilo para serem felizes e completas. Mas a culpa não é só da mídia.
Buscar a felicidade em uma compra é muito fácil e cômodo. É uma fonte imediata. Quando compramos algo que desejamos se inicia uma série de reações químicas no cérebro muito similares à do usuário de drogas que consome a droga. Há liberação de substâncias que dão a sensação de prazer. Com este alívio imediato, poucas pessoas ainda procuram a felicidade da forma convencional: batalhando por uma relação afetiva saudável, aproveitando bons momentos com a família, curtindo seus filhos, batendo um papo com amigos, etc. Por quê? Porque essas formas convencionais tem uma demanda de manutenção muito maior do que uma compra! Levam tempo, esforço e trazem um risco de frustrações. Cultivar laços amorosos e afetivos é uma tarefa trabalhosa, árdua e muitas vezes dolorosa. Então, é muito mais simples pegar um cartão de crédito e comprar aquele vestido.
O problema é que o bem estar da compra passa pouco tempo depois de realizada a compra. E o cérebro pede mais. É preciso liberar substâncias de prazer de alguma forma. Vem a falsa sensação de que precisamos daquele sapato. Tudo um truque do nosso cérebro para se entorpecer. Claro que fatores externos podem piorar o quadro: pessoas carentes, frustradas, solitárias, com baixa auto-estima e outros problemas acabam fazendo das compras seu porto seguro, sua dose garantida de felicidade.
Todas as mulheres que entrevistei me passaram uma impressão de futilidade, de vida vazia. Não falo de cultura ou de grau de escolaridade, falo da riqueza individual de cada um, da experiência de vida, dos valores. Mal comparando, da mesma forma que o homem frustrado afoga as mágoas na bebida, a mulher frustrada afoga as mágoas nas compras. É uma forma de não ter que lidar com o problema, de varrer a sujeira para debaixo do tapete. As pessoas vítimas desse consumismo predatório chegam a apresentar sintomas similares aos apresentados pelos viciados em abstinência quando não podem comprar. Nos casos extremos as compras não são auto-indulgências ou caprichos, são uma necessidade patológica, vulgo doença.
O mais grave é que as pessoas acham inofensivo e estimulam o consumo. É engraçadinho dizer em uma roda de amigas que comprou algo muito caro ou que gastou metade do dinheiro no shopping:
– “Amiga, hoje fiz uma loucura!”.
Deveria ser vergonhoso perder o controle desta forma, no entanto, é socialmente aceito. Aceito e estimulado. Não adianta lutar contra, esses são os novos valores e eles já estão criando raízes na atual sociedade. As chamadas Indústrias do Luxo faturam milhões todos os anos. A Daslu compra vestidinhos de oito dólares feitos com a mão de obra escrava de crianças asiáticas, coloca a etiqueta deles e vende por R$800,00 e as pessoas compram, para mostrar para as mulheres que as cercam que usam uma roupa da Daslu.
A solução? Conversando com a Sally — como é bom ter amigas não-consumistas que ainda cultivam o cérebro e sabem conversar — chegamos à conclusão que não há solução. Por mais que tratem estas mulheres que sofrem de consumismo patológico como doentes — que o são — ameniza-se o sintoma mas não se alcança a raiz do problema, que só poderia ser alcançada com um tratamento psicológico profundo ao qual elas não estão dispostas a se submeter e mesmo que estivessem, não teriam condições de aprofundar, pois são, por sua essência, pessoas fúteis e superficiais, que não sabem ou não conseguem aprofundar nada em suas vidas.
Vamos todos refletir por cinco minutos que valores são esses que andamos cultivando. Vamos tentar passar isso para nossos filhos. Que sociedade é essa de aparências que estamos criando? De supermodelos, de bolsas no valor de um carro, de relações afetivas precárias e superficiais, onde você é o que você tem. A verdadeira riqueza do século XXI não será o dinheiro, os bens e nem tampouco a informação — banalizada pela internet — e sim o poder de adaptação a um mundo em constantes mudanças e quebras de paradigma. Quem for criativo e souber se adaptar sobreviverá, os demais, ficarão obsoletos. Devemos investir mais em nós mesmas, como pessoas, e menos nas compras.
Termino o texto com uma frase da Sally, em resposta às minhas sugestões de tratamento:
– “Elas não querem ser tratadas nem curadas e é melhor que não sejam mesmo, porque mulheres assim não vão conseguir achar felicidade em mais nada, se você tirar as compras, elas serão infelizes. O melhor que você faz por elas é arrumar um marido rico para cada uma!”
Será?
Odalisca da Comunidade CF VIP
Gostei bastante do seu trabalho, mas descordo em alguns pontos. No meu ponto de vista você vê essas mulheres não como seres humanos e sim como animais inefiores, só pelo fato delas terem um nível de cultura, inteligência inferior ao seu. E sinceramente acho isso errado! Não quero te julgar nem nada, só estou expondo meu ponto de vista! :)-alline
Pois é, Somir, quando as pessoas dizem que as pessoas de outras épocas tinham uma vida melhor, por não ter tantas coisas para possuir, isso me faz lembrar de um documentário sobre como era o trânsito nas grandes cidades antes da era do automóvel…
Os cavalos eram tão ruins quanto os engarrafamentos e tão poluidores quanto os automóveis. Imagine-se na Nova York do final do século 19, com 180 mil cavalos nas ruas. Diariamente, os funcionários municipais eram chamados para recolher os cavalos que morriam de exaustão nas ruas e, em relação aos elementos poluidores…bem, devia ser um emprego e tanto ser gari naquela época.
Suellen
Muito bom o post. Pra mim o cúmulo da exaltação da sociedade de consumo foi quando vi celebrarem um casamento em um shopping center, com o patrocínio das lojas. Bom ver uma colega pesquisando um tema relevante. Bjs
Não é só mulher que faz isso. Conheço homens que preferem gastar 180,00 numa simples camiseta, só porque tem o nome da marca escrito. Até meu primo que é professor e ganha pouco, gasta um monte com essas babaquices, incluindo perfumes importados.
Perfeito.
“Ostentar” é mesmo uma doença pra alguns, e por mais revistas CARAS e Programas “Amauri Jr.” que existam ainda vai faltar 15min de fama pra muita gente kkk
perfeita a colocação de quem comentou tambem… se sentir “vazio” e ser celebridade automatica é meio que viver de aparencias o tempo todo, o que é bem doentio, acho.
Este blog é um baú de surpresas, parabens aos autores e colaboradores…
A grande jogada da publicidade é fazer as pessoas se sentirem insatisfeitas com o que já possuem. Não é o produto novo que é melhor, é quem o POSSUI que é melhor. Sutilezas dessa arte maligna que tanto me afeiçoa.
Não concordo com essa demonização do “ter”. A humanidade foi desenvolvida EM CIMA do conceito de posse. Se não fosse isso ainda estaríamos vivendo como índios. (E não, seus hippies, isso não é melhor do que viver com conforto.)
O problema real é que as pessoas SÃO vazias. Falta de educação, falta de cultura geral, falta de propósitos… falta de se sentirem úteis como PESSOAS no mundo.
No capitalismo nós compensamos a inutilidade da população com a importância do consumo. (E a rezadinha para garantir um lugar no céu, certo?)
No socialismo, a individualidade dá lugar à sensação de ser mais uma engrenagem na máquina. As pessoas acabam se sentindo úteis.
Mas o que se repete em ambos os casos é: NÃO INTERESSA PARA QUEM MANDA QUE A MASSA DE MANOBRA PENSE.
Como eu sempre digo: “Não tem filé para todo mundo.”
Muito bom post .
Realmente eu ha bastante tempo venho reparando nisso . Não vou ser hipócrita aqui de dizer que não tenho meus surtos consumistas , acho que todo mundo tem , como tb todo mundo toma um porre vez ou outra o problema é isso se tornar a razão da vida de uma pessoa . Atualmente pouco importa para a a”sociedade” a cultura que vc tenha , o seu caráter ,importa o que vc tem ou aparenta ter e isso é tão mas tão enraizado que as pessoas tem suas atitudes avaliadas por isso . Exemplo tosco : uma mulher rica que dá pra todo mundo é descolada , bem resolvida e sedutora , uma pobre que faça a mesmissima coisa é de vadia pra baixo . Somos o que temos , o verbo ser cada dia mais vem perdendo seu valor . As pessoas estão vazias e embora o texto tenha se focado nas mulheres muitos homens também passam por isso ,ja ouvi de amigos que se sentem menos homens pq não tem um carro , tipo hombridade medida por um carro ????
Isso é um tema seríssimo e deve ser largamente e exaustivamente discutido . Pra finalizar além do cérebro de ostra em coma das pessoas ainda temos um fator maior por tras , a nosssa sociedade capitalista necessita disso pro seu desenvolvimento a base dela é o consumo desenfreado , é o ter . Concordo com o final do texto que fala que só os que conseguirem superar esse círculo vicioso e deixarem de fazer papel de idiota conseguirão sobreviver decentemente e com alguma qualidade de vida nesse mundo cão .
Excelente texto, não só pelo conteúdo irretocável, mas também por ser fonte de inspiração para dezenas de outros temas.
Suellen