Desfavor da semana: Eutanásia.
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O desfavor é um blog de humor. Mas eventualmente vai se aventurar por paragens mais sérias, tais quais o desfavor dessa semana.
Nessa última terça-feira, dia três de Fevereiro de 2009, Beppino Englaro autorizou a mudança de sua filha, Eluana, para uma clínica particular em Udine, Itália. O que chama a atenção é que Eluana está em estado vegetativo há mais de 17 anos e o objetivo dessa mudança é cortar gradualmente a suplementação de alimentos e água dela até que pereça por causas naturais.
O desfavor da semana é a resistência de várias instituições na manutenção do estado vegetativo da jovem italiana.
Um assunto pesado desses deve fazer muita gente torcer o nariz. Que torçam. Se não gostar de ler sobre isso, basta procurar outra página. Essa é a graça da vida, poder fazer suas escolhas e ter prazer no que gosta.
Vejam só, o simples ato de bater o olho no título dessa postagem e pensar que vai ser mais interessante para a sua vida visitar outro site já é uma celebração do que é ser consciente. A nossa consciência, a nossa percepção do universo que nos cerca e a incrível habilidade de interagir e exercer influência é a vida em estado mais puro.
Por essa definição, um ser microscópico, uma planta e um ser humano estão vivos. Mas, com exceção daquele(a) seu(sua) ex-namorado(a), não somos formas de vidas tão baixas quanto uma ameba ou uma trepadeira.
Percebem que eu falei sobre consciência e interação? Cada espécie que vive nesse nosso mundo precisa de um grau específico dessas duas coisas para definir que está vivo.
Um vírus, por exemplo, precisa apenas da consciência de que atingiu um hospedeiro e interagir com ele da única forma que sabe: infectando para se reproduzir. Ele tem seus mecanismos evolutivos para tal. Foi feito para isso.
Uma samambaia, por sua vez, precisa de uma consciência baseada em reação às condições de onde está inserida para se desenvolver e ter suas formas de se proteger e espalhar suas sementes pelo mundo. Ela apenas reage, mas está viva.
Mas quando os seres começam a ser ativos, ou seja, dotados de alguma forma de analisar o ambiente e decidir entre várias ações possíveis, a vida começa a ficar mais complexa. Se um leão resolver apenas reagir aos estímulos do mundo, vai morrer de fome ou de sede em pouquíssimo tempo.
Todo ser que toma decisões baseadas no ambiente em que está inserido só CONTINUA vivo se puder continuar as fazendo. Um rato precisa ser ativo para viver, uma árvore não. Um rato pode fugir de um incêndio, uma árvore não.
Nada vem de graça.
Nós, os humanos, temos não só a capacidade de sermos ativos para seguir nossas vidas, como ainda temos mais um benefício, um que nenhum outro ser vivo nesse mundo tem: a racionalidade.
A racionalidade não foge à regra, exige de nós a sua contraparte. A capacidade de inventar, abstrair e dar significados que nossa mente nos permite também aumenta a quantidade de fatores necessários para nos considerarmos vivos.
Um ser humano que está tão vivo quanto uma planta é uma planta. Um ser humano que está tão vivo quanto um animal irracional é um animal irracional. Sei que não é um conceito muito agradável de se conceber, até porque sempre que se pensa nesse assunto, pensa-se em si mesmo ou num ente querido.
Ninguém gosta de se comparar com uma planta. Oras, somos muito mais do que isso, não? Temos idéias, sonhos, romances… relações com outras pessoas. Nossas vidas são MUITO mais significativas que a de uma planta.
Por mais que não pareça, é justamente por isso eu apóio a eutanásia em casos irreversíveis, com a autorização do paciente ou da família do paciente. Para nós a vida não é apenas o período entre seu primeiro e último batimento cardíaco, a vida é o que se faz dela. Portanto, como se pode dizer que alguém que já teve todo o pacote de consciência e interação de um ser complexo como um humano pode estar vivo se o máximo que faz é respirar?
Com os sentidos e a capacidade de conviver com o mundo ao seu redor tolhidas por uma doença ou acidente, não haveria problema algum em manter essa pessoa viva, certo?
Errado. Se uma vida humana é altamente pautada pelos laços que criamos com outras pessoas, a partir do momento que esses laços não podem ser mantidos, todas as pessoas que se importam com o paciente em coma começam a sofrer.
Quando o pai de Eluana afirma que sua filha está morta há 17 anos, ele exemplifica tudo o que eu disse aqui. Esse homem perdeu uma das pessoas das quais mais gostava na vida a partir do momento que ela deixou de existir como ser humano e se tornou uma forma de vida simplória.
Ele a via morta todos os dias. A morte é algo tão pesado na mente humana, justamente por ser a única certeza que temos, que precisamos DEIXAR as pessoas queridas seguirem o ciclo da vida e começarmos a conceber o universo sem elas.
Eluana continuava lá. Continuava até que a justiça italiana finalmente permitiu que seu pai tomasse a atitude de honrar a vida HUMANA de sua filha pondo fim a vida VEGETAL dela.
O desfavor da semana é perceber que a vida humana vale tanto quanto a vida de uma samambaia para algumas pessoas. Sim, porque a justiça italiana teimou e teimou em defender a vida de uma PLANTA em detrimento das pessoas que realmente se importavam com Eluana e o que ela representou.
Sabem por quê? Se as pessoas perceberem que suas vidas não são presentes de ninguém e que podem decidir seus rumos baseados no que desejam, duas instituições poderosíssimas desabam. E aposto que vocês sabem quais são.
Para reclamar que eu vivo falando de coisa chata e tomar uma resposta bem desagradável de volta: somir@desfavor.com

Quando Somir me propôs o tema, não gostei muito da idéia. Acho um tema pesado demais para um sábado e para um blog que zela pelo bom humor. Mas, já que é para falar sério, vamos fazer direito.
Eu defendo a eutanásia, em casos muito específicos e controlados. E não falo como uma mera curiosa, falo como uma pessoa que já esteve em coma, aos 25 anos de idade.
Existem diversos tipos de coma, em diversos graus. Há uma escala avaliada através de exames que determina o grau do coma. Não sei dizer em que grau o meu foi classificado, mas quero contar o que vivi.
Estava deitada em uma cama de hospital, de olhos fechados, sem poder ver, nem me mexer, nem falar, porém ouvindo tudo que era dito, consciente e acordada. Imaginem uma mente saudável e ativa presa a um corpo doente. Essa era eu. Ouvi de tudo, comentários infelizes das enfermeiras (coisas como “Já era…” – e foi em um dos melhores hospitais da minha cidade), meus pais sofrendo e conversando, médicos dando pareceres, etc. Sem poder responder ou interagir de qualquer forma.
É uma situação enlouquecedora. E olha que eu passei poucos dias assim. O diagnóstico médico indicava que eu não deveria estar escutando nada, mas por algum motivo, a audição não desligou, mas a fala e a parte motora sim.
Já no primeiro dia eu queria morrer. Tudo era melhor do que aquilo. A agonia de não poder se comunicar, de não poder mostrar que está viva. Qual era a minha razão de ser de ficar ali naquele estado? E o meu pavor de que isso se prolongue por dias, meses ou anos? Passem uma hora deitados sem se mexer nem abrir os olhos e verão uma pequena amostra da agonia que eu senti.
Pois bem. Os médicos dizem que pessoas em coma com o desta moça não são capazes de escutar, sofrer ou sentir dor. Será? E se em um caso for diferente? O ser humano não é matemática.
Quando acordei conversei com muitos médicos, enfermeiros e outros pacientes para tentar entender o que tinha acontecido comigo. Me mostraram um artigo médico (vejam bem, não se trata de um achismo ou de uma reportagem da revista “Nova”, era um artigo médico publicado) que contava a história de um acidente de carro envolvendo uma família italiana que estava na frança de férias. Todos morreram, menos o filho de 4 anos. A criança, que só sabia falar italiano, ficou anos e coma, e quando acordou, falava francês. Aprendeu no coma, naquele mesmo coma que os médicos dizem que você está totalmente off, que não sente nem apreende (com dois “e” mesmo) nada. O corpo humano, em situações extremas, reage de formas surpreendentes.
Fico pensando nesta moça que está em coma há 17 anos. Alguém aqui já parou para pensar o que é ficar 17 anos presa a um corpo imóvel?
“Mas Sally, sempre tem um caso de uma pessoa que acaba acordando depois de dez anos!”. Pois então eu respondo: ok, coisas inesperadas podem acontecer, mas sinceramente, eu prefiro MORRER do que ficar dez anos naquela situação desesperadora em que eu estava, ainda que seja para acordar depois. Qualquer pessoa prefere. Mas os parentes da vítima só pensam no SEU próprio sofrimento! É tão egoísta… No caso desta moça, os pais tinham uma bela noção de realidade, mas geralmente pais costumam querer seus filhos vivos, nem que seja ligado a aparelhos, mudo e imóvel.
E vamos falar em termos práticos também, porque é muito fácil falar só de teoria e sentimento. Infelizmente outras coisas devem ser consideradas. Alguém aqui tem idéia do quanto custa um leito de CTI por dia? Mais de vinte mil reais, eu disse POR DIA. Se você tiver plano de saúde, vai ter sorte de conseguir uma internação em algum CTI na pqp (e se deslocar todo dia para a pqp para visitar a pessoa), e se não tiver plano, nunca vai passar por isso, porque vai morrer no meio do caminho, já que hospital público na minha cidade não tem nem gaze nem algodão, quanto mais um maquinário sofisticado disponível a longo prazo.
E as doenças que a pessoa tem quando fica muito tempo nessa situação? São inúmeras complicações! Eu ganhei um derrame de pleura e uma septicemia, e saiu barato, porque sobrevivi. Dizem que septicemia é o Chuck Norris das bactérias. Sofre-se muito. Mesmo que a mente esteja desligada, posso assegurar que o corpo sofre.
“Mas Sally, então você acha que os médicos podem sair matando gente?”. Não, eu acho que é uma decisão da FAMÍLIA do paciente que deve ser submetida a apreciação judicial TAMBÉM, para evitar que neguinho mande fazer uma eutanásia no Vovô milionário só porque ele foi internado para remover uma unha encravada. Só que tem que ser um serviço judicial URGENTE, tal como é a autorização para aborto em caso de estupro ou a autorização de internação para plano de saúde canalha que dá calote. Sim, isso é possível.
Vejam que desfavor: sujeitar a família e a moça a 17 anos de sofrimento! A realidade sobre eutanásia é muito parecida com a do aborto: todo mundo condena, todo mundo acha que se chegar a hora não vai ter coragem de fazer e quando acontece com um rico, resolve-se com um por fora, enquanto pobre não tem acesso a esse serviço. Eutanásia acontece todo santo dia por baixo do pano em hospitais particulares.
“Mas Sally, você acha que a família tem o direito de decidir sobre a vida e a morte da pessoa?”. E você, amigo leitor, acha que um MÉDICO tem? Antes a família do que o médico! E nem precisa ser a família, a pessoa pode assinar um termo, em vida, dizendo que em caso de ficar em coma irreversível deseja que os aparelhos sejam desligados, mais ou menos nos termos que se faz quando a pessoa deseja ser cremada.
Podem acreditar em mim, manter uma pessoa viva em estado vegetativo é um ato de egoísmo. É um desfavor levantar essa bandeira pró-vida “em tese”, sem saber o quão sofrido é na prática. Não é uma vida digna. Vida a qualquer preço é abusar da medicina.
Só não entendo essa forma de eutanásia onde os médicos vão suprimindo gradualmente a alimentação, como foi feito com essa moça. Não conheço o assunto, por isso, palpito como leiga. Posso (e espero) estar enganada, mas pensem comigo, já pensou se essa criatura estivesse sentindo fome e sede? Porque essa coisa lenta e gradual? Não seria mais humano dar uma injeção de algo que a fizesse morrer sem dor em questão de segundos?
Sempre que escuto alguém cuspindo a frase pronta “Quem ama não mata” fico revoltada. Sim, é possível matar por amor: eutanásia. E acho que talvez essa seja a maior demonstração de amor, porque você renuncia a seu bem estar, se coloca em uma situação de sofrimento, para fazer cessar o sofrimento daquele a quem você ama.
Para perguntas mórbidas sobre o porquê de eu ter ficado em coma, discursos de fanáticos religiosos me chamando de assassina e sugestões de temas: sally@desfavor.com
Qqdwqdsaas ascaassc fdrewe:
"Oh, what shall I do?" she sobbed. "I tell you I am afraid of
whiles Sir Richard slept and beside him the great hound that we had named
Caxias, se você acha que o homem não deve interferir na vontade divina, então, pela lógica, também não deve entubar e manter uma pessoa viva por aparelhos, certo? Afinal, a vontade divina Dele era que ela se fosse, foi o homem que interferiu e a manteve viva contra a vontade Dele…
Só discordo da forma como vão fazer essa eutanásia.Quem garante que ela não irá sofrer?
Os argumentos deste post (como em todos) são bem elaborados e fundamentados, mas estou no meu direito de discordar.
Sei que é piegas, mas eu acredito numa força maior que têm motivos para tirar ou deixar de tirar a vida de um ser.
E não cabe a nenhum outro ser humano tomar esta decisão.
Mas é justo ELE decidir isso, ficar se divertindo com esta situação?
Sim, de alguma forma ELE sabe o bem que isso pode fazer àquele ser.
A excelente exposição de idéias do Somir e o fato da Sally ter passado ela mesma pela situação mostram o quão contundentes e relevantes são os argumentos de ambos aqui…
E anônimo, não é só a igreja católica não, poderia ser qualquer religião…
suellen
A opinião da Vick é perfeita!!!
Somir me explica uma coisa por favor, uma instituição é a Igreja catolica,e a outra?
No meu ponto de vista (que certamente não é correto perante ao mundo), isso não deveria nem ser considerado autanásia, pois veja bem, essa pessoa não está viva por ter condições de viver, está viva porque ESTÃO A MANTENDO VIVA COM APARELHOS. Está viva porque existe uma tecnologia que a mantém viva. Se não fossem as sondas que a alimentam e os outros aparelhos auxiliam sua sobrevivência, ela estaria morta faz tempo, ou seja…se não fosse a ciência e a tecnologia, ela já teria se ido há muito tempo atrás!
Logo, no meu ponto de vista todo errado, tirar sondas, desligar aparelhos que mantém a pessoa respirando, coração batendo e outras coisas assim, nem deveria ser considerado caso de autanásia…pois na verdade essas pessoas já deveriam ter morrido, a tecnologia que está impedindo que a natureza cumpra seu papel.
Engraçado que a igreja defende que ela que ela continue sendo mantida viva por aparelhos, GRAÇAS A CIENCIA E A TECNOLOGIA, enquanto eles são contra o estudos de céluas tronco, por exemplo….
Os dois textos já falaram o suficiente e concordo com ambos . Mas acho que a Sally tocou em um ponto importante APRECIAÇÃO JUDICIAL . Eu também concordo que é egoísmo deixar alguem que se ama vivendo anos em uma cama , imóvel . Acredito que boa parte das pessoas já tenham passado por um momento do sono ( quando se está acordando ) e a mente pensa mas o corpo não se mexe , é um lance de fração de segundos mas é aterrorizante , imagine isso por dias? Anos ? Mas sem dúvida a justiça deve estar presente nesses casos porque sabemos que tornando-se essa uma prática corriqueira muitos “cerumanos” vão querer se utilizar disso para outros fins ($$) Fico feliz de saber que vc saiu bem dessa Sally .
Eu também preferia ter morrido do que ficar numa situação daquelas, mas retirar a alimentação e demorar 15 dias pra morrer por desidratação é um absurdo. Até os criminosos tem pena de morte mais digna! Não vai ter jeito, então mata duma vez e não fazer esse drama durante tanto tempo.
Obs: Não acho chato 1X por semana vcs abordarem papo sério. Desfavor também faz os leitores pensarem.
Mesmo que eu nunca tenha ficado em coma, penso como a Sally! Concordo em gênero, Nº e grau!!! Também penso que seja egoísmo dos familiares querer manter a pessoa viva… isso é prolongar o sofrimento da outra parte!!!
E que bom que o coma ñ foi o suficiente p/te parar Sally!!!rsrs.. Vaso ruim ñ quebra!!!rsrs…