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Zika e Microcefalia

“Não deixam a gente falar abertamente para não causar pânico na população”. Foi assim que minha fonte abriu a conversa sobre Zika e Microcefalia, depois de me ouvir prometer sucessivas vezes que tomaria todo o cuidado do mundo para que não fosse possível identificar quem deu o depoimento na minha postagem.

Recentemente o Poder Público admitiu que existe relação entre o Zika Vírus e o surto de nascimento de bebês com Microcefalia. Já se sabia há mais tempo, porém havia relutância em admitir, já que isto é quase o mesmo que dizer que todas as grávidas do país estão arriscadas a ter filhos com Microcefalia, afinal, ninguém consegue se livrar 100% das chances de ser picada por um mosquito. Mas, antes de debater o problema em si (e toda a canalhice que ele envolve), vamos analisar alguns conceitos.

Microcefalia é uma anomalia onde o crânio e o cérebro do bebê são menores do que o normal. Pode ser descoberta ainda na gestação, por um simples exame de ultrassom. Infelizmente, ainda que seja detectada precocemente, não há nada que se possa fazer. Bebês como Microcefalia sofrerão consequências terríveis, como deficiências cognitivas e motoras. Para mostrar que eu não estou exagerando, deixo os dados falarem por si: pelo menos 90% das crianças com Microcefalia tem algum grau de retardo mental. Não tem cura, é algo que “vem de fábrica”, uma má-formação.

Vários fatores podem causar Microcefalia. Pode ser apenas uma loteria genética sem motivo aparente (uma má formação ao acaso) ou então uma alteração causada por fatores externos como substâncias tóxicas ou infecções. Um exemplo clássico (e por isso tão temido) é o vírus da Toxoplasmose, que pode levar à Microcefalia. Quem nunca ouviu que é perigoso para grávidas conviver com gatos? Alguns obstetras chegam a recomendar que as grávidas se desfaçam dos seus gatos. Os fatores que causam Microcefalia geralmente são muito sérios, coisas como drogas ou radiação, das quais toda grávida tem pavor. Pois bem, agora, dentro desses “desencadeadores” da Microcefalia, também está o Zika vírus.

Não se sabe muito bem como se dá o processo, na verdade, oficialmente, alegam ser a primeira vez que se constata sua relação com a Microcefalia. Não se sabe como o vírus atua no feto, o que é péssimo, pois ao não entender como funciona, fica mais difícil neutralizá-lo. Não se sabe nem mesmo qual é o período de maior vulnerabilidade das gestantes. Basicamente não se sabe nada, além do mal que ele causa, o que torna mais difícil prevenir a Microcefalia.

O Zika é um arbovírus, o que quer dizer que ele pode ser transmitido de artrópodes (carrapatos, mosquitos e outros bichinhos pequenos com patas articuladas) para seres humanos. A transmissão de dá no momento em que o mosquito pica o ser humano. É o mesmo princípio da Dengue e de tantas outras doenças. Inclusive o Zika pode se transmitido pelo mosquito que transmite a Dengue, o Aedes Aegypti. A doença tem esse nome curioso porter sido identificado pela primeira vez em 1947, em Uganda, mais precisamente em uma floresta chamada Zika.

Já ocorreram pequenos surtos de Zika vírus em países da África e da Ásia, que foram devidamente superados. Pergunto então à minha fonte se podemos ficar tranquilos, afinal, países que não são um primor de infraestrutura se livraram do problema, o Brasil fatalmente vai se livrar também. “Eu não teria tanta certeza”. Começa uma resposta muito dolorosa. “Pior do que a falta de infraestrutura, é a incompetência” e segue-se a isso uma sequência de informações tenebrosas sobre o sistema de saúde brasileiro e as escolhas do Poder Público sobre como lidar com o assunto. “Além disso, a densidade populacional aqui é bem diferente dos países que já lidaram com o problema. Pode avisar que aqui vai ser bem mais complicado”.

Pergunto se existe forma de erradicar o mosquito. “Se o Brasil conseguisse se livrar de um mosquito, não teríamos mais dengue, quando na verdade, ela não para de crescer”. Minha fonte pensa, e concluí: “Mesmo que tivéssemos um Governo eficiente, o nível de instrução e consciência da população torna praticamente impossível acabar com o Zika”.

Para piorar a situação, os sintomas do Zika Vírus são mais brandos do que os da dengue e podem durar menos tempo. Assim, é possível que mulheres cheguem a ser infectadas e nem mesmo percebam. Podem achar que estão com uma gripe ou até mesmo confundir os sintomas com algo que elas acreditam ser inerente à gestação. Muitas grávidas que tiveram bebês com Microcefalia não sem nem ao menos informar quando foi que contraíram a doença, pois ela passou despercebida. Para piorar ainda mais, existem casos onde a pessoa de fato não tem sintoma nenhum, o vírus entra e se instala em silêncio.

Os sintomas, quando aparecem, são confusos. Podem aparecer todos juntos, ou separados. Até mesmo um único sintoma. Variam entre febre, dor de cabeça, dor no corpo, manchas vermelhas, dor muscular, inflamação nos pés ou nas mãos, conjuntivite, edemas, vômitos, diarreia, dor abdominal ou falta de apetite. Apenas um deles pode estar presente. E, convenhamos, alguns deles se espera de uma gestante, como por exemplo vômitos ou pés inchados. Não existe tratamento. Apenas medicamentos que podem atenuar os desconfortos dos sintomas.

Agora que pincelamos por alto o assunto, vamos coloca-lo em perspectiva. A realidade de uma grávida (ou de uma mulher que deseje ter um filho) no Brasil hoje é: um surto de uma doença que está cada vez mais fora de controle, que causa sequelas gravíssimas e irreversíveis em seu bebê, transmitida por um mosquito, que pode estar em qualquer lugar. Confirmo com minha fonte se essa informação está correta, dita assim, exatamente como a escrevi: “Sim, está correto, mas eu não diria isso em público, pode causar histeria”.

Informo que meu blog não é assim tão lido. “Se você escrever isso, vai ser muito lido, ninguém está falando sobre o assunto com esse grau de sinceridade”. Que seja, é hora da população ficar histérica mesmo, e ter todos os elementos para pressionar o Poder Público e principalmente para pensar se quer engravidar com esse risco. “Cá entre nós? Se a coisa continuar assim, essa vai ser a nova Talidomida”, diz minha fonte, me deixando ainda mais horrorizada.

E é aí que entra aquele pensamento que eu costumo martelar: enquanto todos não estivermos bem, ninguém está bem. Somos um organismo, se parte dele está doente, o corpo todo sofre. Você pode ter uma mansão, um carro importado e o último iphone, mas se outras pessoas da sua cidade não tiverem o cuidado, a instrução, a consciência de tomar medidas para que os mosquitos transmissores desse vírus não se espalhem, o mosquito chega até você. Manter uma boa parcela da população alienada e emburrecida pode custar caro, muito caro.

Nem ao menos a prevenção está sendo feita de forma consciente. O primeiro passo é proteger sua casa, o local onde você passa a maior parte do tempo. Inseticida, repelentes e outros artifícios são falhos e caros. A solução mais eficiente e inteligente é colocar telas pela casa: nas portas, nas janelas, em qualquer buraco que leve ao meio externo e possa ser uma porta de entrada para mosquitos. Estas telas devem estar fechadas o tempo todo. É perfeitamente possível manter a casa arejada com elas.

Pode usar inseticida e repelente também, se eu estivesse grávida, provavelmente beberia um copo de Off no café da manhã, mas não deixem de colocar telas nas portas e janelas. Aqueles tules que cobrem os berços dos bebês, normalmente chamados de “mosquiteiros” são vendidos em tamanhos grandes para camas de adultos e também são um bom complemento às telas.

Não sair de casa não é uma opção, então, outras medidas são necessárias. Nos resta rir para não chorar quando tomamos conhecimento das orientações oficiais do nosso querido Poder Público: “A ordem é orientar as pessoas que saiam com roupas que cubram os braços e as pernas”. Perguntei à minha fonte como fazer isso às vésperas de um verão escaldante que, em muitos lugares pode chegar a temperaturas de 50°. “Eu fiz a mesma pergunta, e você não vai gostar da resposta que recebi”. Diante da minha insistência, ele reproduz a resposta que ouviu: “É isso ou ter um filho com cabeça de minhoca!”.

Pergunto então qual seria uma solução sensata. Minha fonte responde. “O Claudio chegou a dizer que a única coisa sensata a fazer é não engravidar agora, e deu uma merda…”. Ele se refere a Claudio Maierovitch, diretor do departamento de Vigilância de Doenças Transmissíveis, do Ministério da Saúde. Pergunto se ele concorda: “Não, pois a tendência é piorar. Se o conselho for na base do não engravidar, não vão poder engravidar nunca. Meu conselho é que se quiserem engravidar, saiam do país. Mas isso eu nunca vou poder falar publicamente”.

Pergunto a ele quais são as ordens que vem de cima para orientar a população, já que o infeliz que mandou não engravidar foi gongado: “Eles recomendam ter cautela, essa é a palavra que mandam usar: cautela”. Pergunto o que seria ter cautela. Minha fonte pensa, pensa e repete o discurso das roupas e realização de exames pré-natal. “Mas, verdade verdadeira? Os exames só adiantam para descobrir que o bebê tem Microcefalia, pois quando se constata a Microcefalia ela já aconteceu e não há tratamento. Não há como ter cautela com um mosquito”.

Pergunto se alguém tem ideia de como o vírus chegou até aqui. Minha fonte me olha e solta um palavrão: “Você vai me f… né? Você vai me f…”. Insisto. “Dificilmente alguém vai assumir isso, mas começou na Copa do Mundo” e me conta uma história tenebrosa que infelizmente não posso reproduzir sob pena de comprometer seu anonimato. Em resumo (e para bom entendedor, pingo é letra), basta uma pessoa infectada: se o mosquito pica essa pessoa e depois pica você, ele passa o Zika Vírus para você. Como não se pode colocar camisinha em bico de mosquito, somos todos grupo de risco. Quem disse que a Copa do Mundo não deixaria nenhum legado ao Brasil se enganou.

Então, condensando os três encontros de duas horas que tive com minha fonte para escrever este Desfavor Explica, tem algumas coisas que quero dizer a vocês, pessoas com as quais me importo e que eu sei que tem cognição para compreender, pois eu mesma os peneirei nesses últimos sete anos.

Não engravidem agora. Estamos perto do verão, um período onde eclodem epidemias propagadas por mosquitos. Os dados que são passados sobre Zika não são reais, a proporção é muito maior do que querem fazer parecer. O próprio Governo sabe que a população, na média, é tão despreparada e ignorante que não há campanha que os faça combater com efetividade a propagação do mosquito – assim como não houve campanha que consiga sequer reduzir os casos de dengue. Não existe gravidez segura agora. Mesmo que na sua cidade ou estado não existam casos de Zika, basta que alguém de fora da sua cidade, contaminado (sem nem mesmo saber) vá para o seu bairro e seja picado por um mosquito. Pronto, você já está correndo risco. E de dezembro a março, muitos alguéns de fora estarão viajando por todo o Brasil. Não engravidem agora.

Coloquem telas nas portas e janelas. Existem formas de colocar as telas sem fixá-las, elas podem ser removíveis. A tela ganha uma moldura e se encaixa na janelas, o que permite que eventualmente ela seja retirada para lavar. Os tetos das casas tem que ser forrados, caso contrário, as telas não resolvem. E mesmo com tudo isso, a porta do seu quarto (ou do aposento no qual você passa a maior parte do tempo) tem que ter uma porta extra de tela, que nunca deve ficar aberta. Mosquiteiro na cama e onde mais você quiser. Só depois disso você pensa em comprar aquelas porcarias de colocar na tomada que supostamente espantam insetos. Spoiler: insetos adquirem resistência a essas porcarias químicas, a melhor barreira é a física.

Não compartilhem este texto com grávidas, seria desumano expô-las de forma nua e crua à cruel loteria que elas vão passar. Façam sua parte e combatam os possíveis focos de mosquitos, mas já sabendo que certamente meia dúzia de Zé Ruelas não vão fazer a parte deles e corremos sérios riscos de enfrentar uma epidemia. Levem informação, levem conhecimento a quem possa absorvê-lo. E, se quiserem muito engravidar e não estiverem dispostos a adiar os planos, saiam do país.

Omissão nunca resolveu nada na história. O assunto tem que ser discutido, informação tem que ser disponibilizada e se a população quiser ficar histérica, que fique. Está mais do que na hora…

Para dizer que é mais fácil o inferno congelar do que as mulheres brasileiras pararem de engravidar, para fazer piada com o assunto por aqui ser o único lugar do mundo onde isso não será recriminado ou ainda para dizer que não gosta quando escrevo sobre assuntos sérios: sally@desfavor.com

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