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Flertando com o desastre: Sofrer por amor.

| Sally | | 89 comentários em Flertando com o desastre: Sofrer por amor.

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Vejo muita gente sofrendo, chorando e se descabelando “por amor”. Só que tenho a impressão que mais da metade não está chorando de fato “por amor” e sim por outros motivos (tão válidos quanto, diga-se de passagem). Que diferença isso faz? Toda a diferença, sobretudo na hora de tentar dar a volta por cima e superar a situação. Entender porque está doendo é o primeiro passo para fazer por onde parar de doer. Sim, tem que fazer por onde, sofrimento nem sempre vai embora sozinho.

A maior parte das pessoas não compreende corretamente seus sentimentos, seja por não se conhecer bem, seja por estar com a cabecinha estuprada por romances, novelas e outros lixos que enfiam estereótipos falsos nas mentes menos fortalecidas. Se, com o término do relacionamento surge também algum tipo de sofrimento ou angústia, presume-se, como consequência lógica, que isso é sinal inequívoco de que ainda se ama o parceiro. E não é. O sofrimento que experimentamos após o término de um relacionamento pode ter várias origens que não necessariamente o amor que supostamente tínhamos pelo parceiro.

Falemos desta situações de sofrimento intenso com o término de um relacionamento que não são necessariamente o amor que se sente pelo parceiro. “Lágrimas por ninguém, só porque é triste o fim”, uma das poucas coisas inteligentes que o Hebert Viana escreveu.

Vejo muita gente chorando “por amor” que na verdade chora sua própria rejeição. Gente que levou um fora e confunde a dor e o desamparo da rejeição com o amor que sentia pelo parceiro, um amor que muitas vezes nem existia mais. Quem nunca viu um casal onde um não dava muita bola para o outro, até que leva um fora e descobre dentro de si um suposto “amor” que surge do nada? Ser rejeitado é desagradável, eu arrisco dizer que rejeição é um dos sentimentos mais difíceis de digerir e sim, é válido sofrer por ser rejeitado. Mas se você compreender que está sofrendo pela rejeição, fica mais fácil de superar.

É muito comum que uma pessoa só consiga se ver através dos olhos dos outros: se os outros me elogiam, me querem e me validam eu sou uma coisa boa, mas se os outros me descartam, me criticam e me viram as costas é porque eu sou uma merda. Quem sofre por rejeição tem que apender a conhecer seu valor por si, independente dos olhos dos outros. Quem sofre por rejeição tem que compreender que esta rejeição pode não se fundar em seus defeitos e sim em mera incompatibilidade, que não torna esta pessoa inferior ou indesejável. Rejeição dói mesmo, às vezes dói por anos. Acho muito compreensível sofrer por causa de rejeição.

Outro erro comum que todos nós estamos sujeitos a cometer em meio a um turbilhão de emoções que surgem com um término de relacionamento é confundir a dor pelos planos perdidos com amor. Muitas vezes jogar fora todos os planos que fizemos com aquela pessoa, toda a vida a dois idealizada, todas as situações por viver, todos os projetos é mais doloroso do que perder a pessoa em si. É aquela história da mulher que casa com o casamento, e não com o marido. A tristeza em não realizar todos aqueles planos, em ter que abandonar um projeto ao qual se pretendia dar continuidade, pode vir camuflada de amor.

Quem sofre por ter que jogar fora todos os seus planos deve refletir sobre sua individualidade e sobre o quanto depositou expectativas no relacionamento. Relacionamento é um plus, não a razão da vida de alguém. Se você fez do seu relacionamento e dos seus planos de relacionamento o pilar da sua vida, é hora de aprender com os erros. Fazer planos incluindo seu par é bacana, fazer planos que só podem ser realizados com ele é empobrecedor.

Tem ainda quem chore a derrota social de não ter emplacado um relacionamento e ache que está chorando por amor. A pessoa vai lá, se compromete de forma pública, não raro celebra esse compromisso com ritos de passagem e pouco tempo depois… o relacionamento se desfaz. A pessoa tentou, tentou de verdade e não conseguiu. Isso é uma punhalada no ego, não tem como não ser. Todos nós gostamos de acreditar que quando nos esforçamos de verdade conseguiremos aquilo que desejamos. Pois bem, algumas vezes a gente se esforça pra caralho, faz tudo que está a nosso alcance, insiste, faz tudo certo e ainda assim as coisas não saem como o esperado. Realmente é chato que a sociedade veja que você deu o seu melhor e o seu melhor não bastou.

Quem chora a derrota social tem que fazer um esforço para se importar menos com o que os outros pensam e compreender que nem sempre o erro esteve na execução do projeto a dois. Muitas vezes o erro está na escolha. Quem erra na escolha pode ter o comportamento mais centrado, exemplar e digno durante o relacionamento e ainda assim acabar em um final infeliz.

Também tem um tipo de pessoa, no qual eu me enquadro (fiz isso minha vida toda) que chora de pena de si mesma. Sim, é triste, mas eu faço isso e provavelmente morrerei fazendo. Aquela pessoa que se dá conta que voltou a ficar solteira e que isso implica em voltar a conhecer gente, sair, ter primeiros encontros e encarar as dúzias de loucos que estão soltos no mercado até achar uma pessoa mais ou menos decente. Convenhamos, é de chorar mesmo. Ter que começar tudo de novo com a quantidade de gente estranha, bizarra, burra, porca, mal educada, feia e religiosa que tem por aí, só chorando MUITO de pena de si mesmo.

Não sei aconselhar estas pessoas, porque sou uma delas. Meu conselho é basicamente crie gatos. Desista, porque não vale a pena o esforço que é passar por cem lunáticos para no final das contas achar uma pessoa minimamente decente. Criar gatos é o que há, eles ocupam o seu tempo, não falam, não torcem para time de futebol e não roncam. Crie gatos. Começar tudo de novo é muito ruim.

Arrisco dizer que tem quem chore por pura teimosia. Por birra. Porque mexeram em uma rotina na qual a pessoa estava acostumada. O pavor do inesperado, da novidade, desestrutura e deixa a pessoa desesperada. Não percebendo esta sutileza, a pessoa sente apenas um sofrimento intenso e uma angústia e concluí que sua causa é o amor que sente pelo parceiro, achando que só descobriu que amava quando acabou. O fato da pessoa ter que se deslocar da sua zona de conforto e alterar sua vida causa um sofrimento intenso o suficiente para ser confundido com dor de amor.

Meu conselho nesse caso é que se reflita de onde vem a associação de mudança com algo necessariamente ruim, já que existem mudanças para melhor. Porque a rotina representa uma proteção e porque a quebra da rotina gera sofrimento. Mudança também pode ser sinônimo de oportunidade, de progresso e de boas surpresas. Trabalhando eventuais dificuldades de adaptação o sofrimento tende a ser menor.

Por incrível que pareça, tem também quem chore a perda de um status: deixar de ser “a mulher” de alguém, “o marido” de alguém ou até “o namorado” de alguém e todas as portas que isso poderá lhe fechar. Não me refiro a bens materiais, mas ao status, às facilidades, ao tratamento diferenciados, à possibilidade de frequentar certos círculos, ter contatos com certas pessoas. Muitas pessoas fazem dos amigos do parceiro seus amigos e quando o relacionamento termina perdem o parceiro e os amigos. Tem também aqueles que sabem que terão que se separar de seus filhos e vê-los com menos frequência. Algo no meio social se perde e isso dói tanto que é confundido com amor por sua parceira.

Evidente que também tem que se desespere pela questão econômica. Fato: muitas pessoas dependem dos parceiros para sobreviver e se sustentar. É como para uma criança perder a mãe, assustador e inesperado. Só que a pessoa não pode chorar no ombro dos amigos se lamentando que agora vai ter que trabalhar mesmo estando muito velha para entrar no mercado de trabalho ou então se queixar que vai ter que reduzir seu padrão de vida. Resta justificar o choro, para si mesma ou para a sociedade, atribuindo-o ao amor.

Tem ainda a pessoa que chora pela autoestima baixa, acreditando ter chegado ao fim da linha: “Nunca mais ninguém vai gostar de mim como Fulano gostava” ou “Nunca mais vou ter um relacionamento assim”. De fato, nunca mais você vai ter um relacionamento assim, terá melhores e terá piores. São pessoas que não se acham capazes de serem amadas e que “por um acaso” ou “por sorte” um maluco se apaixonou por elas. Quando esse “maluco” vai embora, elas se desesperam achando que era o último ser humano na face da Terra que irá amá-las. Isso não é amor pelo outro, é medo de ficar sozinho.

Estas pessoas devem refletir porque se acham tão “ingostáveis” e o que podem fazer para mudar isso. Todo mundo tem o seu valor, todo mundo tem qualidades e quem não estiver satisfeito consigo mesmo que arregace as mangas e procure meios de melhorar. Quando a dor do término vem do medo de não ser mais amado por ninguém certamente não reflete o amor pelo parceiro e sim o seu próprio desamparo.

Acreditem ou não, tem gente que se agarra com unhas e dentes em um relacionamento e sofre horrores quando ele termina por estar acima do peso: “Agora eu vou ter que emagrecer…”. Gente que se permitiu qualquer descuido pessoal (não necessariamente ligado a peso) por já ter a aceitação de um parceiro que não se importava com algo que normalmente costuma ser socialmente importante. Às vezes os anos de descaso fazem um “estrago” tão grande que a pessoa que se acomodou nessa situação se desespera justamente por perceber que demorará anos para reverter e voltar a ser socialmente atraente. Quem quer se dar ao luxo de escolher, de ser seletivo, tem que ter os atributos socialmente valorizados para dar em troca. É feio mas é verdadeiro. Só de pensar nos meses de sacrifício, dieta, academia, plástica ou o que mais seja necessário, a pessoa sofre e chora – e atribuí isso ao amor que supostamente sente pelo parceiro.

Meu conselho: melhore fisicamente, a sociedade é fútil e focada na aparência física. É um saco, é desgastante, é escroto, mas é necessário. E vale a pena poder escolher, poder exigir. É investimento. Não é tão difícil ou ruim como parece, o mau momento é no começo, depois que cuidar de si vira um hábito como escovar os dentes, a coisa flui. Não chore, com o tempo você toma gosto pela coisa.

Certamente vai ter muito homem me achando maluca, mas, por incrível que pareça, às vezes tem gente que chora o “não amor” camuflado de amor. Explico: a pessoa encontra um parceiro legal, bacana, bonito, educado, gentil etc mas, por algum sadismo do destino, não clica. Não bate uma química, não consegue se apaixonar pela pessoa, por mais ideal que ela seja. Tenta-se, tenta-se à exaustão, às vezes por meses ou anos, confiando naquele conceito da vovó que “o amor vem com o tempo”. Vem nada, o tempo traz apenas carinho, cumplicidade… mas amor? Não acho. Daí fatalmente o dia de parar de mentir para si mesma chega e rompe-se o relacionamento, justamente por não amar, mas se sofre como se estivesse amando. Além do sofrimento, tem a sensação de duas orelhas de burro no topo da cabeça: uma pessoa bacana bateu à sua porta e você deixou passar. Após o término é muito comum confundir esse sofrimento todo com um “acho que no fundo, no fundo eu amava a pessoa”.

Meu consolo para quem está passando por isso (e quem nunca?) é que coisas boas acontecem para pessoas que optam por fazer a coisa certa e corajosa. Tenham isso em mente. Não por obra do divino, por algo sobrenatural ou coisa do tipo e sim porque pessoas que fazem a coisa certa quando ela requer coragem criam mais oportunidades para serem felizes na vida. Se acomodar com quem não se ama é medíocre.

Na próxima vez em que estiver sofrendo “por amor” pense se não está sofrendo por outra causa, por alguma das causas do texto, por uma confluência delas ou até mesmo por outras causas não citadas aqui mas que não se confundem por amor. Compreenda-se, estude-se. Olhe para dentro de você sem medo. Você vai viver melhor e superar melhor os momentos difíceis.

Não é demérito não estar sofrendo por amor. Outras causas são plenamente válidas. Identificando a causa real a pessoa se poupa de reatar um relacionamento cagado na tentativa desesperada de parar de sofrer e aprende a mitigar este mesmo sofrimento caso ele se repita. Chega de atribuir tudo ao amor, ser humano não é filme Disney, somos muito mais complexos do que isso. Amor é mais um sentimento, chega de hipervalorizar o amor. Chega de idealizar o amor.

Para dizer que eu só falo essas coisas porque não sei amar, para dizer que você chora por saber que não vai mais ter sexo com facilidade ou ainda para dizer que bom mesmo é soterrar o sentimento e não dar bola até ele ir embora: sally@desfavor.com


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