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Desfavor Explica: Anonymous.

| Somir | | 45 comentários em Desfavor Explica: Anonymous.

Alguns dias depois de um grande ataque mundial aos sites de conglomerados de mídia e agências internacionais que fecharam o Mega Upload, o “grupo de hackers” Anonymous assumiu um ataque ao site do Tribunal de Justiça e do Governo do Estado de São Paulo, em reprimenda à desastrada ação em Pinheirinhos.

Não pretendo falar sobre o assunto de Pinheirinhos agora, até porque se alguém tem tarimba para tratar dele aqui na nação, é Sally. Vou me concentrar na outra parte da notícia, a que menciona os perpetradores do ataque virtual, o grupo Anonymous. Cada vez mais presentes na mídia tradicional, chega a ser surpreendente como eles são enxergados atualmente, principalmente para quem estava lá quando tudo começou.

Tenho o ponto-de-vista de quem viu as coisas acontecendo. E é nisso que vou me concentrar. Foi um longo caminho desde “we do it for the lulz“…

4CHAN

O conceito de usuários anônimos criando confusão na internet vem desde o começo da própria rede, trolls já trollavam desde a época das BBSs, costumeiramente por detrás do manto do anonimato. Eu tenho uma opinião impopular sobre não mostrar a cara na internet, apoiando de coração quem menos se expõe DESDE que isso torne suas opiniões e intervenções mais honestas, mas evidente que sou voto vencido e a maioria das pessoas adora essa ladainha de “não ter o que esconder”.

E como as pessoas estão condicionadas a jogar o jogo social das aparências em qualquer lugar, não era de se estranhar que uma presunção de más intenções pairasse sobre a cabeça de todos os anônimos interagindo na grande rede. A internet começou a se popularizar demais junto com a tendência de maior exposição pessoal. As redes sociais dominaram o cenário e os anônimos “por princípio” acabaram se concentrando em alguns portos seguros.

Um dos locais mais prósperos nessa mentalidade do meio da década passada para frente foi a 4chan, um “fórum de imagens” com pouca ou nenhuma censura. Hoje já perdeu parte do seu estrelato para redes mais “chapa branca” como a Reddit, mas na época onde o conceito do Anonymous moderno se solidificou, era o ponto principal de convergência de trolls de todas as nacionalidades, raças, credos e conexões.

Um local assim, se caótico por natureza, também é capaz de apresentar momentos de grande criatividade em meio à confusão. Ser anônimo na internet era basicamente o mesmo que ser anônimo na vida real, mas isso começou a mudar quando inúmeros se encontravam. Naquele momento, éramos (eu estava por lá, mas como vocês vão ver, não existe crédito pessoal nesse ramo) uma coletividade de pessoas sem rosto.

E isso se solidifica numa imagem que representava a todos, mas nenhum de nós ao mesmo tempo. O anônimo original da 4chan era representado por uma figura de terno e rosto verde com os dizeres “Sem foto disponível”. Qualquer um que tentasse assumir essa imagem ou se destacar individualmente sofria repressão imediata. Mentalidade coletiva na marra.

FURRIES

Curioso para quem vê o Anonymous defender causas políticas é lembrar que a primeira grande causa do grupo foi espantar os furries da 4chan. Já fiz uma postagem sobre a turma que se veste de bicho de pelúcia, e não é de se estranhar que eles tenham virado alvo. Mas é importante ressaltar que naquele momento, o Anonymous fazia tudo, menos se levar a sério. O lema de fazer tudo pelas risadas era o cerne da questão.

E não estou mencionando a perseguição aos furries como algo além de perspectiva histórica, o grupo não existia para isso, o grupo não existia para nada. Os furries estavam no caminho, pareciam um alvo engraçado e as pessoas se juntaram nessa causa naturalmente. O resultado final dessa guerra civil no site não fazia a porcaria da menor diferença. Até porque qualquer vitória seria efêmera.

A mentalidade do grupo tendia ao caos puro. Sem propósitos claros, sem moral e sem lógica por muitas vezes. O Anonymous tinha todas as qualidades e defeitos das pessoas que o formavam. Posso até estar explicando de forma chata, mas isso em ação sempre foi hilariante. A capacidade do grupo trocar de lado numa briga em questão de segundos e punir indiscriminadamente a todos (inclusive seus membros) que tornava aquilo tão estimulante (pelo menos para o maluco que lhes escreve).

Ninguém falava pelo Anonymous, ninguém controlava o Anonymous, todos eram e ninguém era.

Aleatoriedade. E quem não entendia esse conceito costumava pagar caro. Uma pessoa que viesse até a coletividade pedir ajuda estava basicamente jogando uma moeda para cima: Ou teria a força de uma massa de estranhos para resolver seu problema, ou teria problemas bem maiores. Sério, eu cansei de ver gente se fodendo de verde e amarelo por uma combinação de personalidade irritante e evasão de privacidade.

O Anonymous original era uma máquina de cyber-bullying e humor aleatório. Eu achava o máximo, mas como tudo na rede, o Anonymous não passaria incólume pela sua popularização.

CIENTOLOGIA

O momento onde podemos dizer que o Anonymous atual nasce é o ataque à Cientologia. Depois de uma ação da igreja para retirar do Youtube um vídeo onde Tom Cruise pira na batatinha para explicar sua fé, começa um movimento coordenado que exibe ao mesmo tempo o poder e as fraquezas do grupo. Anonymous ganha uma voz momentânea, a do grupo de pessoas que queria revidar essa ação, percebida como censura na rede.

E como um alvo do tipo da Cientologia se encaixa perfeitamente na classe de grupos engraçados de atacar, o movimento ganha apoio inicial da maioria. Mas o desenrolar da trama expõe uma rachadura na mentalidade coletiva que nunca mais seria consertada. É nesse momento em que a cara verde da figura do Anonymous ganha a máscara do Guy Fawkes no filme “V de Vingança”, que para quem conhecia a 4chan, soava mais como uma piada interna (procure por Epic Fail Guy no Google) do que como uma mostra de organização revolucionária.

As frases de efeito como: “Nunca esquecemos, nunca perdoamos, espere por nós.” já existiam antes desse caso da Cientologia, mas só pegaram mesmo como motes dessa nova imagem depois dos vídeos, manifestos e placas das pessoas que não tinham muita identificação com o grupo anteriormente.

Mas já tinha muita gente nova chegando na 4chan. A mentalidade do Anonymous absorvida por essas pessoas não se parecia mais com o estilo cachorro louco original. Era focada em objetivos nobres como defender a liberdade de expressão e até mesmo trazer à justiça pessoas que maltratavam animais…

Muitos dos membros mais antigos não gostaram dessa definição clara de objetivos construtivos, o que começou a separar a identidade do grupo do site que o amalgamou a duras penas. Com gente mais séria organizando as ações e participação “na vida real” de inúmeras pessoas, a Cientologia pagou CARÍSSIMO por ter peitado o que julgavam um bando de trolls da internet. O poder de mídia da igreja desabou, inúmeras unidades fecharam e o poder “real” resolveu se mexer.

Essa vitória gera muita discussão interna, tem gente que até hoje sacaneia a turma que fez protesto ao vivo na frente das igrejas, e o conceito original do Anonymous se afasta definitivamente do caos amoral original. O braço cyber-ativista assume o nome, deixando o braço cyber-bullying de lado.

Hoje você conhece o Anonymous assim. E sem elitismo troll: Não acho que tenha perdido o valor como grupo, embora tenha ficado bem menos engraçado.

DDoS

Quando a mídia diz que um site foi derrubado pelo Anonymous, pode apostar que foi por causa de DDoS. Distributed Denial of Service (Negação de Serviço Distribuída). Na prática, isso significa que inúmeros computadores atacaram e sobrecarregaram o servidor onde fica o site da vítima. Um site não deixa de ser (ou mais atualmente, agir como) um computador físico no final das contas. De uma forma tecnicamente errada, mas prática de entender: É como se forçassem você a baixar mil arquivos que você não quer ao mesmo tempo em que baixa um que quer. Esse monte de arquivos acaba entupindo a sua rede, deixando tudo muito lerdo.

O site atacado acaba com tanta porcaria para lidar ao mesmo tempo que não consegue atender usuários legítimos. Por isso costuma ficar fora do ar pela duração da ação de DDoS.

Quem é mais leigo em internet (o que inclui a grande mídia) deve achar que isso é coisa de hacker que passou dez anos estudando e modificando o Linux Elite Mega Power Plus que tem instalado na sua máquina de milhares de reais. Na verdade, é até possível que você seja um desses “hackers”, sem saber.

Não precisa de mais do que um programinha baixado impunemente na rede para participar dessas ações. Uma pessoa que sabe instalar um programa pode se juntar ao Anonymous para atacar um site. Temos os dois mais comuns chamados de LOIC (Low Orbit Ion Cannon) e HOIC (High Orbit…). Não precisa ser hacker para conseguir usar. Embora eu não recomende que analfabetos digitais se arrisquem com isso.

E mesmo quem nem sabia que isso existia pode já ter participado de uma dessas ações de negação de serviço. Os usuários mais avançados da rede Anonymous (nem precisa ser hacker fodão, mas precisa saber BEM mais que o usuário médio) podem transformar a máquina de quem abre qualquer merda que recebe por e-mail, navega com o Internet Explorer (sério que você ainda faz isso?) e nunca atualiza o anti-vírus em máquinas zumbis que atacam sites sem o dono sequer saber o que está acontecendo. Se quiser pesquisar mais, o termo correto é Botnet.

A ação em si não é tão complexa, mas pode ser bem efetiva, principalmente se ataca um site que depende de seu funcionamento para faturar. Como vocês devem imaginar, os maiores sites tem muito mais proteção contra negação de serviço, mas sempre lembre-se disso: Ninguém, ninguém está 100% protegido na internet.

RÁQUER

Acho engraçado quando leio “grupo de hackers” nas notícias, é a mídia baseada em medo fazendo justamente o que o Anonymous quer. Criando a impressão que são todos extras do filme Hacker (lembra?), prontos para derrubar a sociedade inteira com um apertar de “Enter”. O Anonymous atual passa longe de ser um grupo homogêneo e não existe um poder central. É gente aleatória, como eu e você, que decidiu fazer alguma coisa para protestar.

Mas até parece que essa gente aleatória não tem seus brios. Quando a graça de fazer parte do Anonymous passou de ser “pelas risadas” para fazer parte da contra-cultura virtual, muita gente abraçou a imagem de hacker e está se divertindo com a reação das pessoas que não entendem direito nem como mudar o papel de parede da sua área de trabalho.

Pessoalmente, eu acho que essa vaidade de se mostrar como hacker perigoso contraproducente para a causa. Sim, é divertido, mas se as pessoas tivessem uma noção maior das bases ideológicas do grupo, pareceriam ainda mais poderosas as intervenções ao derrubar sites e tacar o terror em corporações e governos.

Porque o Anonymous é formado por muita gente, gente que não precisa ser muito coordenada, gente que não depende de uma ideologia muito específica, gente que só tem em comum a vontade de tomar uma atitude. Isso é grandioso. O Anonymous é você, sempre foi. Não podemos deixar o grupo parecer algo distante, um clubinho de hackers ao qual não fomos convidados. Ninguém foi convidado.

O Anonymous é uma resposta à impotência do cidadão médio diante do poder constituído, MESMO quando é uma piada. Escrevi tanto sobre a história do grupo para que mais pessoas entendam que nunca foi sobre pose. É sobre fazer as coisas porque podemos fazer as coisas.

Para dizer que é ráquer e vai derrubar o desfavor (uma calculadora bem programada derruba esse servidor vagabundo…), para dizer que ainda está tentando entender essa coisa de todo mundo e ninguém, ou mesmo para soltar um discurso de “mamãe quero ser cínico”: somir@desfavor.com


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